|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTARDO CALLIGARIS
A tirania da experiência
Acompanhei as dificuldades de um jovem que, ao terminar sua formação, saiu à procura de um emprego, não encontrou e, enfim, entrou em algumas frias (felizmente não graves).
Buscando trabalho, ele esbarrou em recusas que só os jovens
recebem. Os entrevistadores apreciavam seu diploma, gostavam de
sua apresentação e perguntavam:
"Você tem experiência?". Meu jovem amigo sentia-se num círculo
vicioso: era rechaçado por falta de
uma experiência que nunca poderia adquirir, pois não conseguia emprego justamente porque
lhe faltava experiência.
Parece um pretexto para condenar os jovens a um salário simbólico. Eternos estagiários, eles seriam obrigados a trocar seu trabalho pelo "privilégio" de aprender o ofício.
Mas não é só isso: nossa cultura,
em princípio, venera a experiência. Não poderia ser diferente.
Salvo em momentos nostálgicos,
duvidamos das sabedorias sagradas ou ancestrais. Preferimos confiar e acreditar nas coisas em que
podemos colocar o dedo e o nariz.
A autoridade, em suma, desertou
a tradição e veio para a experiência -o que permitiu, entre outras
coisas, o nascimento da ciência
moderna: a Terra não é chata
porque Ptolomeu disse, é redonda
porque a gente pode dar a volta.
Essa mudança cultural alterou
as hierarquias sociais, mas não as
aboliu -ao contrário-, pois a
experiência é cumulativa: há sujeitos que têm mais experiência e
que, portanto, gozam de uma autoridade comparável à dos sábios
tradicionais. Ou seja, acabaram
as hierarquias fundadas nas diferenças de castas, nas inspirações
divinas ou nos saberes esotéricos,
mas foi promovida uma outra
hierarquia, fundada na autoridade conferida pela experiência.
A hierarquia da experiência é
perfeitamente adaptada à sociedade moderna. Uma das antigas
instituições prospera até hoje: a
família. Ora, para manter a hierarquia no núcleo familiar, o critério da experiência é perfeito. Ele
justifica, de maneira aparentemente racional, a autoridade dos
pais sobre os filhos. Os adultos sabem e podem dizer o que se deve
fazer, porque eles viveram mais,
já estiveram na mesma situação
etc.
Se sou um adolescente, como
afirmo minha liberdade? Sou
obrigado a me aventurar em terrenos completamente novos. Para
me esquivar da autoridade dos
pais e dos adultos, tento fazer algo
que não esteja no campo de experiência dos que me precedem. A
novidade, a originalidade tornam-se verdadeiros valores, porque prometem libertar-me da tirania da experiência dos outros.
Se fizesse algo que ninguém nunca fez, quem poderia ditar minha
conduta, dizendo-se sábio e experiente?
Para escapar à tirania da experiência dos outros, devo procurar
maneiras de viver tão singulares
que ninguém (imagino) se sentiria autorizado a invocar sua experiência para dar-me conselhos.
Se, a cada dia, me enchesse de
mescalina ou de LSD, os pais poderiam discordar radicalmente,
proibir, punir, mas não viriam se
meter em minhas toxicomanias
com o argumento de sua experiência (a não ser que eu seja filho
de Timothy Leary).
Também posso escolher o crime.
Os pais poderão discordar até o
desespero, mas, quando estiver vivendo na prisão, de qual experiência eles poderão prevalecer-se
para sugerir condutas?
Recomendação aos pais de adolescentes: se, discutindo com seus
filhos, você achar bom evocar a
sabedoria que vem de sua experiência, seja humilde e modesto.
Quanto mais você justificar sua
autoridade pela experiência, tanto mais seu rebento estará a fim
de aventurar-se por terrenos pouco ou nada mapeados.
P.S.: Por coincidência, li nestes
dias (e recomendo): "This Is the
Beat Generation" (Eis a Geração
Beat, publicado em 1999, edição
de bolso em 2001), de James
Campbell. É a história de um grupo de jovens poetas, escritores e
vários perdidos que, na América
dos anos 40 e 50, inventaram
uma rebeldia que consistia em colocar o pé na estrada, tirar a roupa, beber, drogar-se e não saber
direito se é para transar com pessoas do mesmo sexo ou do outro.
Todos, Kerouac, Burroughs, Ginsberg, parecem frágeis, banais e
tristes (além de preocupados em
encontrar um editor).
No fim dos anos 50, a geração
beat cedeu seu lugar aos "beatniks", inspirados pelos beats e tão
fora do mundo quanto o esputinique (sputnik -de onde o nome:
beat + nik). Os beatniks dos anos
60 somos nós: os pais cinquentões
de hoje, que voltaram de Woodstock e acalmaram-se, entrando
nas fileiras.
Os filhos dos beatniks (nossos filhos) estão com um problema.
Nós, seus pais, somos muito legais: só queremos fundar nossa
autoridade sobre o patrimônio de
nossas experiências passadas.
Com isso, imaginamos conquistar
a simpatia, a admiração e o respeito amigável de nossos filhos.
Assim, conheço um jovem que,
surpreendido na hora de acender
um baseado no seu quarto, teve
direito ao relato detalhado da expedição do pai ao México, 30
anos atrás, para experimentar cogumelos alucinógenos.
O que esse adolescente terá de
inventar para que seus atos escapem à autoridade (benévola, mas
asfixiante) da pretensa experiência paterna?
ccalligari@uol.com.br
Texto Anterior: Mulher 4: La Tambouille presenteia clientes com flor Próximo Texto: Panorâmica - Artes: México expõe 150 obras de Lasar Segall Índice
|