São Paulo, sexta-feira, 07 de março de 2008

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MÚSICA/CRÍTICA

Sorridente, Bob Dylan canta, mas parece falar

Para reconhecer canções do músico, era preciso conhecer as letras de cor

Bruno Fernandes/Folha Imagem
Bob Dylan no início do show em SP, anteontem, no Via Funchal: ele tocou guitarra nas três primeiras músicas; depois foi para o...

IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN

Bob Dylan não é exatamente artista de palco, e o jeito como canta seus sucessos tem decepcionado tantas gerações quanto tem influenciado. Em SP não foi diferente, e por que seria? Seus discos ao vivo mostram que há anos ele desistiu da melodia em prol de um canto nasal falado.
E como a harmonia das canções passeia apenas em cima de sóis, fás e dós, com um eventual lá menor no refrão, reconhecer uma música num show de Bob Dylan é trabalho duro.
É preciso decorar as letras. É preciso ter boa vontade com a voz rouca do homem de 66. É preciso não se irritar com o fato de Dylan não permitir telões. É preciso pagar uma grana preta. É preciso binóculo para ver o que acontece ali naquele palco.
Por exemplo: Bob Dylan, o homem que não sorri, sorriu o tempo todo! Enquanto cantava suas músicas sarcásticas, ria como um garoto entre um verso e outro, puxando gargalhadas do resto da banda.
"Vejo que você está com seu chapéu de pele de leopardo novinho/ Você fica linda com ele/ Posso pular pular em cima dele uma hora dessas?/ Só quero saber se ele é mesmo daquele tipo caro", murmurou na primeira das 17 canções, "Leopard-Skin Pill-Box Hat", clássico de 1966.
E a segunda: "It Ain't Me, Baby", de 1964, que parece de amor: "Você diz que procura alguém/ Que te levante sempre que cair/ Que lhe dê flores e apareça quando você precisar/ Um amor para toda a vida". Mas tem um refrão venenoso: "Não sou eu, garota/ Não, não, não sou eu que você procura".
Dylan seguiu com os hits "I'll Be Your Baby Tonight" (1967) e "Masters of War" (1963), mas foi a partir da quinta música -já no teclado, onde ficaria até o final do show- que começou a se divertir de verdade.
Ao apresentar as novas canções, levantava o pé para trás, rebolava, dançava, jogava os ombros, fazia caretas, mexia a cabeça como um robozinho, ria, ria e ria.
Assim foi com "Spirit on the Water", "When the Deal Goes Down" e "Workingman's Blues #2", três lindas músicas de 2006 que, daqui a alguns anos, serão consideradas importantes no cancionário dylanesco. Por enquanto, ainda são as "novas chatas que tomam o lugar das famosas nos shows".
"Não é comum Dylan rir em seus concertos", conta o americano Bill Pagel, que mantém há 13 anos o site Bob Links (www.boblinks.com), que contabiliza todas as performances, músicas tocadas, entrevistas e aparições do cantor. "Diria que ele divertiu bastante aí", comenta o pesquisador.
Provavelmente mais que a platéia. Essa, apesar de reverenciar com aplausos respeitosos, só se empolgou com "Like a Rolling Stone" (1965).
Dylan a canta de jeito bizarro há tempos, como se pode constatar, por exemplo, no "MTV Unplugged" (1995). Apesar de irreconhecível, foi reconhecida pela frase inicial: "Once upon a time you dressed so fine".
A melhor execução foi a de "Highway 61 Revisited" (1965), superpesada, calcada no baixo de Tony Garnier, o único músico de Dylan que participou dos dois últimos discos, de 2001 e 2006. A banda, cinco homens de preto com ternos, chapéus e bigodinhos, é excelente.
E "Blowin" in the Wind" (1963), contrariando as chances de 85,7% -e para tristeza do senador Eduardo Suplicy-, foi, literalmente, soprada pelo vento. Dylan trocou-a por "All Along the Watchtower" (1967), o que havia feito em apenas um dos sete shows da atual turnê.


Avaliação: bom

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