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LIVROS
Crítica/"Trabalhar Cansa"
Pavese é artesão metódico da poesia
Autor de obras em prosa, italiano transforma intuição em produto ao tratar, com esforço classicista, de temas cotidianos
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O título do livro de poemas de Cesare Pavese,
"Trabalhar Cansa", diz
absolutamente tudo sobre os
seus muitos significados.
Em italiano, trabalhar é lavorare, que dá mais ainda do que
trabalhar a ideia de um ofício
operário, manual, exaustivo,
caso destes poemas. Mas o correspondente em português,
trabalhar, também é válido
neste caso, pois se trata de um
trabalho simultaneamente manual e mental.
Cansa é, da mesma maneira,
uma palavra perfeita. Trabalhar cansa o fazedor/criador ao
demandar tanto esforço; cansa
(positivamente) o leitor, pela
dificuldade em acompanhar o
artesanato metódico dessa
poesia; e é também uma poesia
ela mesma cansada: da cidade,
do tempo, da solidão.
Mas que não se entenda mal
esse cansaço; para Cesare Pavese, como para muitos outros
poetas, o tédio é um dos principais motores da criação. Maurício Santana Dias, em introdução minuciosa e esclarecedora
-ele é também o responsável
pela excelente tradução desta
edição bilíngue-, conta que era
preciso, para Pavese, "construir
na arte e na vida, expulsar o voluptuoso da arte como da vida,
ser tragicamente", e que o que
parecia mais detestável ao poeta era a "arte pela arte".
Inspiração e condensação
Daí o trabalho exaustivo de
transformar a intuição em produto, a inspiração em condensação. Apesar de tratar exclusivamente de temas cotidianos,
parte de seu projeto poético
-prostitutas, bêbados, camponeses, a colina, as meninas, o
pai, as caminhadas-, e de manter rigorosamente a língua desse homem-ninguém, seu esforço é o mesmo de um classicista,
criando uma métrica rigorosa e
melodiosa (embora sem rimas)
e evitando qualquer tipo de
transcendência ou idealismo.
Como se estivéssemos diante
de um João Cabral que fosse íntimo de suas personagens, convivendo com elas, ou de um
Francis Ponge cujo objeto fosse
a própria experiência de enrolar um cigarro.
Tudo isso sem deixar de lado
um "ideário democrático" e
uma ética estritamente colada
ao homem comum. Assim, há o
eremita que tem a cor dos freixos queimados, a pouca ou nenhuma fala ("[...] Quando a
água se estende na noite, lavada/ e difusa no nada, o amigo a
contempla/ e eu contemplo o
amigo e nenhum dos dois fala
[...]"), uma mulher arrastando
seu marido morto sob a lua e as
estrelas, que "têm vida, mas
não valem sequer as cerejas que
como sozinho".
Plenitude entediada
Cesare Pavese consegue
(com muito trabalho) reproduzir poeticamente o que "fazem
as cabras", puxando "simplesmente as ervinhas mais verdes"
e as casas, "que estão firmes,
plantadas no piso". Talvez não
haja mesmo, em poesia, dificuldade maior do que não falar sobre a coisa, mas falar a coisa, em
sua plenitude entediada de
simplesmente ser o que é, sem
lirismo que a "melhore".
TRABALHAR CANSA
Autor: Cesare Pavese
Tradução: Maurício Santana Dias
(edição bilíngue)
Editora: Cosac Naify/7Letras
Quanto: R$ 59 (400 págs.)
Avaliação: ótimo
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