São Paulo, sábado, 7 de março de 1998

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CINEMA
"Tropas Estelares" desafia o senso comum

EDUARDO SIMANTOB
especial para a Folha

O filme "Tropas Estelares", do diretor holandês (radicado nos EUA) Paul Verhoeven, estreou semana passada na cidade sob uma avalanche de críticas, não só nesta Ilustrada, transformando-o a priori num dos maiores fiascos cinematográficos do ano.
A sensação que fica é a de que se trata de uma ficção científica rala, apologista do militarismo, e até mesmo acusada de fascista.
"Tropas Estelares" é no mínimo provocador. Coloca o espectador, desde a primeira sequência (um telejornal interativo), num futuro em que a humanidade explora e domina o espaço com a mesma mentalidade belicista que garantiu seu domínio total na Terra.
O espectador menos cauteloso irá imediatamente se identificar com os belos e saudáveis humanos em sua guerra obstinada contra as nojentas aranhas assassinas do além-cosmos. E é nesse erro que as críticas acabaram caindo.
Mas a visão de futuro esboçada por Verhoeven é bem mais cruel do que se fez entender. Assim como os judeus pintados pelo nazismo ou os comunistas imaginários da Guerra Fria, o inimigo da humanidade no filme é o arquétipo mais universal de nojo e temor.
Para Verhoeven, basta que seja uma criatura asquerosa aumentada em proporções titânicas, oferecendo uma razão indiscutível para uma apologia total da violência.
A leitura que se pode fazer das aranhas monstruosas como signos sexuais, contrapostas a uma sociedade quase assexuada, onde as relações sentimentais são subjugadas às razões de um Estado totalitário, não seriam tão exageradas, em se tratando de Verhoeven.
Sua carreira fornece as pistas: sexo e violência são levados ao extremo, provocando a inquietude das platéias e de seus pares na indústria. Em "Instinto Selvagem", Sharon Stone desbancou a audiência com seu show de pernas num interrogatório policial. Em "Showgirls" Verhoeven desnudou os bastidores das coristas de Las Vegas, sendo acusado de pornográfico e quase destruindo sua carreira.
Poderíamos esperar que, com "Tropas Estelares", Verhoeven estivesse tentando se "salvar" com um cinemão cheio de violência num ambiente em que já se provou competentíssimo, a ficção científica (são dele "Robocop" e "O Vingador do Futuro").
Mas o holandês não se rende. E insiste em sua crítica ao império do sexo e da violência gratuitas não só da maioria das produções americanas, como do público, fixação esta que é a justificativa da indústria para tantos investimentos no gênero.
Em "Tropas Estelares", para escancarar sua provocação, o diretor não economizou em alusões ao nazismo. Da indumentária dos oficiais aos laboratórios de bioengenharia, é como se o 3º Reich tivesse ganho a guerra e construído o futuro da humanidade.
Até certo ponto do filme, poderíamos crer mesmo numa infame distopia. Mas Verhoeven sabe quebrar a narrativa, conduzindo-nos a extremos absurdos com o objetivo de provocar a reflexão por meio do humor negro.
Talvez Verhoeven seja europeu demais para Hollywood. A crítica a "Tropas Estelares" lembra o fogo cerrado que "Assassinos por Natureza", de Oliver Stone, sofreu quando lançado em 94.
Ali, como aqui, trata-se de assumir como premissa a psicose belicista, jogar com o público de forma a trazer à tona seu inconsciente violento e violentá-lo por meio de uma incômoda identificação.
A fórmula é a da inversão catártica: Verhoeven e Stone caracterizam seus vilões como heróis e, com isso, acreditam estar provocando a reflexão, um poder que o cinema deixou de exercer a partir do momento em que se encaminhou para o mero exercício do entretenimento passivo.



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