|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
"Tropas Estelares" desafia o senso comum
EDUARDO SIMANTOB
especial para a Folha
O filme "Tropas Estelares", do
diretor holandês (radicado nos
EUA) Paul Verhoeven, estreou semana passada na cidade sob uma
avalanche de críticas, não só nesta
Ilustrada, transformando-o a
priori num dos maiores fiascos cinematográficos do ano.
A sensação que fica é a de que se
trata de uma ficção científica rala,
apologista do militarismo, e até
mesmo acusada de fascista.
"Tropas Estelares" é no mínimo
provocador. Coloca o espectador,
desde a primeira sequência (um
telejornal interativo), num futuro
em que a humanidade explora e
domina o espaço com a mesma
mentalidade belicista que garantiu
seu domínio total na Terra.
O espectador menos cauteloso
irá imediatamente se identificar
com os belos e saudáveis humanos
em sua guerra obstinada contra as
nojentas aranhas assassinas do
além-cosmos. E é nesse erro que as
críticas acabaram caindo.
Mas a visão de futuro esboçada
por Verhoeven é bem mais cruel
do que se fez entender. Assim como os judeus pintados pelo nazismo ou os comunistas imaginários
da Guerra Fria, o inimigo da humanidade no filme é o arquétipo
mais universal de nojo e temor.
Para Verhoeven, basta que seja
uma criatura asquerosa aumentada em proporções titânicas, oferecendo uma razão indiscutível para
uma apologia total da violência.
A leitura que se pode fazer das
aranhas monstruosas como signos
sexuais, contrapostas a uma sociedade quase assexuada, onde as relações sentimentais são subjugadas às razões de um Estado totalitário, não seriam tão exageradas,
em se tratando de Verhoeven.
Sua carreira fornece as pistas: sexo e violência são levados ao extremo, provocando a inquietude
das platéias e de seus pares na indústria. Em "Instinto Selvagem",
Sharon Stone desbancou a audiência com seu show de pernas
num interrogatório policial. Em
"Showgirls" Verhoeven desnudou
os bastidores das coristas de Las
Vegas, sendo acusado de pornográfico e quase destruindo sua
carreira.
Poderíamos esperar que, com
"Tropas Estelares", Verhoeven estivesse tentando se "salvar" com
um cinemão cheio de violência
num ambiente em que já se provou competentíssimo, a ficção
científica (são dele "Robocop" e
"O Vingador do Futuro").
Mas o holandês não se rende. E
insiste em sua crítica ao império
do sexo e da violência gratuitas
não só da maioria das produções
americanas, como do público, fixação esta que é a justificativa da
indústria para tantos investimentos no gênero.
Em "Tropas Estelares", para escancarar sua provocação, o diretor não economizou em alusões ao
nazismo. Da indumentária dos
oficiais aos laboratórios de bioengenharia, é como se o 3º Reich tivesse ganho a guerra e construído
o futuro da humanidade.
Até certo ponto do filme, poderíamos crer mesmo numa infame
distopia. Mas Verhoeven sabe
quebrar a narrativa, conduzindo-nos a extremos absurdos com
o objetivo de provocar a reflexão
por meio do humor negro.
Talvez Verhoeven seja europeu
demais para Hollywood. A crítica
a "Tropas Estelares" lembra o fogo
cerrado que "Assassinos por Natureza", de Oliver Stone, sofreu
quando lançado em 94.
Ali, como aqui, trata-se de assumir como premissa a psicose belicista, jogar com o público de forma a trazer à tona seu inconsciente violento e violentá-lo por meio
de uma incômoda identificação.
A fórmula é a da inversão catártica: Verhoeven e Stone caracterizam seus vilões como heróis e,
com isso, acreditam estar provocando a reflexão, um poder que o
cinema deixou de exercer a partir
do momento em que se encaminhou para o mero exercício do entretenimento passivo.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|