São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2000


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"Garota, Interrompida" discute a loucura, mas fica longe da contundência do livro de Susanna Kaysen
A alienista

Divulgação
Lisa (Angelina Jolie) e Susanna (Winona Ryder) em "Garota Interrompida", drama sobre internas de um hospital psiquiátrico


THALES DE MENEZES
especial para a Folha

Angelina Jolie é uma garota louca que pensa ser sã e acha que talvez todos os outros sejam loucos. Winona Ryder é uma garota sã que pensa ser louca e acha que talvez seja melhor viver entre loucos. Em torno delas foi construído "Garota Interrompida", um filme que deixa a desejar. É muito inferior ao poderoso livro autobiográfico no qual foi baseado.
Em 1967, Susanna Kaysen tinha 18 anos e tomou uma combinação quase fatal de 50 comprimidos de aspirina e uma garrafa de vodca. Passado o susto, seus pais a levaram a um psiquiatra, que convenceu a garota a uma internação voluntária no famoso hospital psiquiátrico McLean, em Boston.
Conhecido por incluir em sua lista de pacientes gente como a poeta Sylvia Plath e os cantores James Taylor e Ray Charles, o hospital foi o lar de Susanna por 18 meses, e esse período é a matéria-prima do filme.
Winona Ryder leu o livro homônimo de Susanna logo após seu lançamento, em 1993, e desde então começou a batalhar pela versão cinematográfica. Apenas cinco anos depois, ela encontrou no diretor James Mangold, de "Copland", alguém com o mesmo entusiasmo pelo projeto.
E tal disposição é compreensível. A narrativa de Susanna é vigorosa, combinando ironia e desespero, melancolia e bom humor. Pena que o filme não consiga reproduzir essa força na tela.
O principal problema é o tratamento dado ao personagem da narradora. No livro, Susanna é, na maior parte do tempo, apenas uma espectadora dos dramas intensos do dia-a-dia das meninas internadas numa mesma ala.
No filme, seu papel ganha corpo para justificar a presença da estrela Winona Ryder. E, por mais esforçada que seja a atriz, a verdade é que ela não tem muito mais a fazer do que arregalar seus belos olhos diante do que acontece.
Quem tirou a sorte grande foi Angelina Jolie, que faturou um Oscar de atriz coadjuvante na pele da rebelde Lisa. A "bad girl" que tem uma extensa lista de fugas de hospitais psiquiátricos acaba ficando com uma boa dose de cenas fortes, entre doses cavalares de sedativos e sessões de eletrochoques. Sobra gritaria, mas ela evita cair numa interpretação histérica. Mereceu o prêmio.
As outras internas são interpretadas por jovens e desconhecidas atrizes, que defendem seus papéis com garra. No entanto, as meninas perderam muito da força que têm no livro ao serem compactadas para duas horas de filme.
Bem, elas não são as únicas vítimas desse processo. Toda a fina ironia do texto original de Susanna desapareceu, e ela cumpria muito bem a função de costurar as sequências do livro.
Sem esse recurso, o filme resulta episódico, com algumas cenas até bem fortes, mas sem levar a lugar nenhum. Quem lê o livro pode perceber como a autora passa por grandes transformações. No filme, o roteiro tenta compensar essa falta de reflexão com uma conclusão um tanto redentora, mas que soa frouxa, sem inspiração.
Susanna Kaysen vive hoje em Cambridge e já tinha no currículo dois romances de sucesso quando resolveu publicar o relato de sua vida em McLean. Mas as boas críticas e vendas de "Asa, As I Knew Him", de 1987, e "Far Afield", de 1990, não foram suficientes para dar a ela confiança para publicar "Girl, Interrupted".
Para sentir a reação do público, a autora publicou algumas partes do livro numa série de depoimentos na revista "Sassy", uma espécie de versão americana e esperta da "Capricho". Foi um ótimo termômetro para motivar Susanna a publicar o livro.
O que mais impressiona é como a narradora permanece na posição de "turista acidental" dentro do hospital. Injetando bom humor até nos momentos mais dilacerantes, ela fica protegida como uma observadora do que passa a chamar de "universo paralelo".
Seu relacionamento com as outras internas é semelhante à cumplicidade típica de meninas em um dormitório de escola, mas Susanna, a do livro, fica mais distante do delírio de Lisa, a verdadeira transgressora do grupinho internado. No filme, a Susanna de Winona Ryder embarca totalmente com Lisa nessa discussão "eu sou a louca, ou os loucos são eles?". São meninas numa versão muito simplória de "O Alienista", de Machado de Assis.
Mas o filme nem chega perto do ótimo e contundente livro de Susanna, muito menos de Machado de Assis. Pode pretender até ser uma espécie de "Um Estranho no Ninho" para moças, mas essa intenção só demonstra que o diretor e roteirista não teve noção da dinamite que tinha nas mãos.
Ver Winona Ryder e Angelina Jolie por duas horas pode ser algo próximo do paraíso na Terra, mas o livro de Susanna Kaysen merecia um filme bem melhor.


Avaliação:   

Filme: Garota, Interrompida (Girl, Interrupted) Diretor: James Mangold Produção: EUA, 1999 Com: Winona Ryder, Angelina Jolie Quando: a partir de hoje, nos cines Eldorado 2, Metrô Tatuapé 3, Pátio Higienópolis 5 e circuito

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