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Documentários no É Tudo Verdade mostram dois pontos de vista sobre o Carandiru
Verdade aprisionada
Festival abre hoje em São Paulo sua oitava edição, com total de 104 filmes e entrada franca em todas as sessões
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"O que vocês vão ver são fatos
reais, verdadeiros e verídicos."
Quem diz e reitera é um entre os
mais de 7.000 homens que cumpriam pena na Casa de Detenção
de São Paulo, no complexo do Carandiru, em 2001.
A visão do presídio desde dentro está em "O Prisioneiro da Grade de Ferro", documentário de
Paulo Sacramento em co-autoria
com 20 detentos. O filme compete
no 8º Festival É Tudo Verdade,
que abre hoje e exibirá 104 títulos.
O concorrente "Carandiru.doc", de Rita Buzzar, também
tem na Casa de Detenção o seu cenário. A diretora segue as filmagens do longa "Carandiru", de
Hector Babenco, com ênfase nos
figurantes que têm histórias pessoais relacionadas ao presídio.
Buzzar entrevista um sobrevivente do massacre de 111 presos,
ocorrido em outubro de 92 -que
Babenco reconstitui em seu filme,
com estréia prevista para sexta-
e um rapaz cujo irmão foi morto
no mesmo massacre.
O irmão do detento assassinado
faz figuração como policial da tropa de choque que invade o presídio. O ex-detento está no papel de
presidiário.
"Achei o filme de Babenco perfeito para abordar a relação entre
ficção e realidade. Como é ficcionalizar um fato real?", diz Buzzar.
A diretora ouviu diversas respostas. O rapper e ator Sabotage
(que participou do longa de Babenco e foi assassinado em janeiro deste ano) diz: "A verdade é como as pessoas da periferia. Ninguém consegue imitar".
Babenco afirma: "Eu me irrito
quando vejo filmes que se dizem
baseados em fatos reais. O que é
um fato real?". No questionamento, o cineasta diz que toda realidade é vista de um ângulo pessoal,
portanto, interpretativo.
O ponto de partida de "O Prisioneiro da Grade de Ferro" foi um
curso de vídeo oferecido por Sacramento no presídio. Desde 96, o
cineasta amadurecia a idéia de registrar a vida no Carandiru.
Na primeira tentativa, em 97,
usou câmeras de cinema (que filmam em película, oferecem menos mobilidade e têm custo elevado) e concluiu que o resultado parecia "um documentário ruim".
"Tínhamos problemas para estar no lugar certo, com o equipamento certo, na hora certa", afirma. Com as minúsculas câmeras
de vídeo espalhadas entre as suas
mãos e as dos presidiários, Sacramento acumulou 170 horas de
imagens, feitas quase diariamente, ao longo de sete meses.
A decisão de quais aspectos do
presídio registrar foi tomada durante o curso, em conjunto entre
os detentos e o diretor.
Sacramento conta que, de início, os presidiários queriam abordar apenas facetas positivas do
Carandiru, como os trabalhos artísticos e artesanais lá realizados.
O diretor argumentou que suprimir a face negativa seria produzir um documentário tão ilegítimo quanto os filmes de cadeia
que os alunos assistiram no curso
e julgaram distantes da realidade.
A opção de não esconder a violência no Carandiru resulta na visão de cadáveres e doentes.
Respeitando o "limite ético" de
não filmar pessoas sendo assassinadas, Sacramento inclui no filme
a ocorrência de assassinatos brutais dentro do presídio, por meio
de fotos dos corpos produzidas
para registro do sistema prisional.
Doentes que aguardam assistência médica relatam a espera e a
progressiva debilidade da saúde.
O caleidoscópio "O Prisioneiro
da Grade de Ferro" gira também
na noite do Carandiru. Com uma
câmera na cela, dois detentos registram o sono no presídio e o tal
sol que se vê nascer quadrado.
Depoimentos de presidiários
estrangeiros e o registro da "saidinha" [libertação temporária de
um detento por bom comportamento" são outras revelações de
um filme com que Sacramento
quis interrogar mais que traduzir.
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