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São Paulo, segunda-feira, 07 de abril de 2003

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Documentários no É Tudo Verdade mostram dois pontos de vista sobre o Carandiru

Verdade aprisionada

Festival abre hoje em São Paulo sua oitava edição, com total de 104 filmes e entrada franca em todas as sessões

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"O que vocês vão ver são fatos reais, verdadeiros e verídicos." Quem diz e reitera é um entre os mais de 7.000 homens que cumpriam pena na Casa de Detenção de São Paulo, no complexo do Carandiru, em 2001.
A visão do presídio desde dentro está em "O Prisioneiro da Grade de Ferro", documentário de Paulo Sacramento em co-autoria com 20 detentos. O filme compete no 8º Festival É Tudo Verdade, que abre hoje e exibirá 104 títulos.
O concorrente "Carandiru.doc", de Rita Buzzar, também tem na Casa de Detenção o seu cenário. A diretora segue as filmagens do longa "Carandiru", de Hector Babenco, com ênfase nos figurantes que têm histórias pessoais relacionadas ao presídio.
Buzzar entrevista um sobrevivente do massacre de 111 presos, ocorrido em outubro de 92 -que Babenco reconstitui em seu filme, com estréia prevista para sexta- e um rapaz cujo irmão foi morto no mesmo massacre.
O irmão do detento assassinado faz figuração como policial da tropa de choque que invade o presídio. O ex-detento está no papel de presidiário.
"Achei o filme de Babenco perfeito para abordar a relação entre ficção e realidade. Como é ficcionalizar um fato real?", diz Buzzar.
A diretora ouviu diversas respostas. O rapper e ator Sabotage (que participou do longa de Babenco e foi assassinado em janeiro deste ano) diz: "A verdade é como as pessoas da periferia. Ninguém consegue imitar".
Babenco afirma: "Eu me irrito quando vejo filmes que se dizem baseados em fatos reais. O que é um fato real?". No questionamento, o cineasta diz que toda realidade é vista de um ângulo pessoal, portanto, interpretativo.
O ponto de partida de "O Prisioneiro da Grade de Ferro" foi um curso de vídeo oferecido por Sacramento no presídio. Desde 96, o cineasta amadurecia a idéia de registrar a vida no Carandiru.
Na primeira tentativa, em 97, usou câmeras de cinema (que filmam em película, oferecem menos mobilidade e têm custo elevado) e concluiu que o resultado parecia "um documentário ruim".
"Tínhamos problemas para estar no lugar certo, com o equipamento certo, na hora certa", afirma. Com as minúsculas câmeras de vídeo espalhadas entre as suas mãos e as dos presidiários, Sacramento acumulou 170 horas de imagens, feitas quase diariamente, ao longo de sete meses.
A decisão de quais aspectos do presídio registrar foi tomada durante o curso, em conjunto entre os detentos e o diretor.
Sacramento conta que, de início, os presidiários queriam abordar apenas facetas positivas do Carandiru, como os trabalhos artísticos e artesanais lá realizados.
O diretor argumentou que suprimir a face negativa seria produzir um documentário tão ilegítimo quanto os filmes de cadeia que os alunos assistiram no curso e julgaram distantes da realidade.
A opção de não esconder a violência no Carandiru resulta na visão de cadáveres e doentes.
Respeitando o "limite ético" de não filmar pessoas sendo assassinadas, Sacramento inclui no filme a ocorrência de assassinatos brutais dentro do presídio, por meio de fotos dos corpos produzidas para registro do sistema prisional.
Doentes que aguardam assistência médica relatam a espera e a progressiva debilidade da saúde.
O caleidoscópio "O Prisioneiro da Grade de Ferro" gira também na noite do Carandiru. Com uma câmera na cela, dois detentos registram o sono no presídio e o tal sol que se vê nascer quadrado.
Depoimentos de presidiários estrangeiros e o registro da "saidinha" [libertação temporária de um detento por bom comportamento" são outras revelações de um filme com que Sacramento quis interrogar mais que traduzir.



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