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CINEMA/"BOLEIROS 2"
Diretor, que lança 2º longa sobre futebol, defende árbitro desonesto como figura do "imaginário" do esporte
"Juiz ladrão é necessário", diz Giorgetti
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Do diretor Ugo Giorgetti não se
deve esperar opiniões politicamente corretas. Nem atitudes.
Dizer, como faz na entrevista a
seguir, que a figura do "juiz ladrão" é "um consolo para os que
perdem", portanto, necessária ao
esporte, é apenas um exemplo.
Máximo da incorreção no país
do nacionalismo em chuteiras,
Giorgetti lança hoje (às vésperas
da Copa do Mundo em que o Brasil tenta o hexacampeonato) um
filme sobre futebol de tom melancólico e derrotista.
"Qual o problema? O futebol reproduz a sociedade. Para cada
vencedor, há milhares de vencidos", diz o diretor. Em "Boleiros
2", ele fica ao lado dos vencidos.
Abaixo, além de defender o
"juiz ladrão", ele afirma que o ídolo corintiano Carlos Tevez "não
joga muito", diz que as mulheres
na arbitragem são "uma novidade
muito estranha" e prevê que, "de
repente, o Brasil não passa das oitavas" no Mundial.
Folha - Os craques de seu filme ou
estão atrás das grades ou são meliantes. O grande ídolo não aparece
com a bola no pé. É uma sugestão
de que o talento é marginal?
Ugo Giorgetti - O filme já foi acusado de ser triste, melancólico. É
mesmo. Qual o problema? Agora
parece que é obrigação do filme
brasileiro ser alegrinho e saltitante. O futebol reproduz a sociedade. Para cada vencedor, há milhares de vencidos. É mais ou menos
isso o que significa aquele garoto
encarcerado. São os vencidos do
futebol e da vida.
Folha - A melancolia do filme não
se torna mais incômoda ao espectador às vésperas de uma Copa do
Mundo em que o Brasil é favorito?
Giorgetti - É possível. Essa Copa
me atrapalha sempre. Ela me atrapalhou no primeiro filme e me
atrapalha no segundo. Olha que
coincidência absurda! Fui bater
de novo com essa Copa.
Folha - A data soa intencional.
Giorgetti - Não é. Ao contrário.
Se pudesse, lançaria o filme depois da Copa. É que, de repente, o
Brasil não passa das oitavas... Pode acontecer. Pessoalmente não
ligo muito para a Copa. Quando
eu era garoto e comecei a me interessar por futebol, o Brasil perdia
sempre. A gente não dava muita
bola. Agora há toda uma indústria
insuportável em torno da Copa.
Folha - Criticar a indústria em torno do futebol era a meta do filme?
Giorgetti - O propósito era mostrar um personagem que não detém mais o controle de seu cotidiano. Ele é vencedor, por um lado. Por outro, não sabe que uma
mulher com o filho dele está ali à
porta, que o irmão quer levar dinheiro dele. Ele não sabe nada. É
um ser que está na mão de uma
máquina. Achei interessante
mostrar isso. É o que acontece,
sinceramente, com a maioria desses jogadores que estão aí fora.
Folha - Mas o papel das corporações no futebol não é um aspecto
abordado no filme. Por quê?
Giorgetti - Preferi não fazer um
tratado, e sim mostrar um personagem e suas circunstâncias. No
fim, esse é um filme sobre a solidão. Todos, indistintamente, são
muito solitários.
Folha - Escândalos como o da
"máfia do apito" demonstram que
o futebol traduz mais do Brasil do
que sua aptidão para o esporte?
Giorgetti - É exagerado [o paralelo]. Acho até necessário o juiz ladrão. Está institucionalizada a figura do juiz ladrão. Se for retirada
do imaginário, será uma perda
muito grande. O futebol é composto de personagens. O juiz ladrão é um deles. Acho legal esse
escândalo. Vai haver outros.
Folha - Mas a compra de resultados não é a derrota do futebol para
interesses que não os esportivos?
Giorgetti - É verdade, mas isso
não é uma coisa nova. Desde o
primeiro jogo de futebol alguém
se sentiu roubado e falou: "Esse
resultado foi comprado".
No futebol tem isso. É legal. A
gente não sabe se foi comprado
ou não. Para os que perdem, é um
consolo dizer que foi roubado.
Folha - O árbitro de seu filme é
Denise Fraga. Mulheres na arbitragem são novidade bem-vinda?
Giorgetti - Essa é uma novidade
muito estranha, porque todo
mundo é contra. Mas entrou um
politicamente correto tão forte...
Ao mesmo tempo, a federação
tenta criar atrações, porque o próprio jogo está muito feio. Os jogadores estão todos na Europa. Então, como o jogo está ruim, põe
uma mulher e vamos ver no que
vai dar...
Folha - O brasileiro ex-craque no
Boca Juniors no filme é uma provocação com os argentinos?
Giorgetti - Não. Vários brasileiros jogaram lá. O Orlando, da seleção brasileira de 1958, foi capitão do Boca durante três anos. Capitão do time! Evitei a provocação
cuidadosamente ao não colocar o
malandro como argentino.
Folha - O melhor jogador do Brasil hoje é um argentino?
Giorgetti - Não joga muito, mas
é, porque está tão fraco aqui...
Mas não sei. Tenho minhas dúvidas. Já vi argentinos melhores do
que o Tevez jogarem no Brasil.
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