São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2006

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CINEMA/"BOLEIROS 2"

Diretor, que lança 2º longa sobre futebol, defende árbitro desonesto como figura do "imaginário" do esporte

"Juiz ladrão é necessário", diz Giorgetti

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Do diretor Ugo Giorgetti não se deve esperar opiniões politicamente corretas. Nem atitudes.
Dizer, como faz na entrevista a seguir, que a figura do "juiz ladrão" é "um consolo para os que perdem", portanto, necessária ao esporte, é apenas um exemplo.
Máximo da incorreção no país do nacionalismo em chuteiras, Giorgetti lança hoje (às vésperas da Copa do Mundo em que o Brasil tenta o hexacampeonato) um filme sobre futebol de tom melancólico e derrotista.
"Qual o problema? O futebol reproduz a sociedade. Para cada vencedor, há milhares de vencidos", diz o diretor. Em "Boleiros 2", ele fica ao lado dos vencidos.
Abaixo, além de defender o "juiz ladrão", ele afirma que o ídolo corintiano Carlos Tevez "não joga muito", diz que as mulheres na arbitragem são "uma novidade muito estranha" e prevê que, "de repente, o Brasil não passa das oitavas" no Mundial.

 

Folha - Os craques de seu filme ou estão atrás das grades ou são meliantes. O grande ídolo não aparece com a bola no pé. É uma sugestão de que o talento é marginal?
Ugo Giorgetti -
O filme já foi acusado de ser triste, melancólico. É mesmo. Qual o problema? Agora parece que é obrigação do filme brasileiro ser alegrinho e saltitante. O futebol reproduz a sociedade. Para cada vencedor, há milhares de vencidos. É mais ou menos isso o que significa aquele garoto encarcerado. São os vencidos do futebol e da vida.

Folha - A melancolia do filme não se torna mais incômoda ao espectador às vésperas de uma Copa do Mundo em que o Brasil é favorito?
Giorgetti -
É possível. Essa Copa me atrapalha sempre. Ela me atrapalhou no primeiro filme e me atrapalha no segundo. Olha que coincidência absurda! Fui bater de novo com essa Copa.

Folha - A data soa intencional.
Giorgetti -
Não é. Ao contrário. Se pudesse, lançaria o filme depois da Copa. É que, de repente, o Brasil não passa das oitavas... Pode acontecer. Pessoalmente não ligo muito para a Copa. Quando eu era garoto e comecei a me interessar por futebol, o Brasil perdia sempre. A gente não dava muita bola. Agora há toda uma indústria insuportável em torno da Copa.

Folha - Criticar a indústria em torno do futebol era a meta do filme?
Giorgetti -
O propósito era mostrar um personagem que não detém mais o controle de seu cotidiano. Ele é vencedor, por um lado. Por outro, não sabe que uma mulher com o filho dele está ali à porta, que o irmão quer levar dinheiro dele. Ele não sabe nada. É um ser que está na mão de uma máquina. Achei interessante mostrar isso. É o que acontece, sinceramente, com a maioria desses jogadores que estão aí fora.

Folha - Mas o papel das corporações no futebol não é um aspecto abordado no filme. Por quê?
Giorgetti -
Preferi não fazer um tratado, e sim mostrar um personagem e suas circunstâncias. No fim, esse é um filme sobre a solidão. Todos, indistintamente, são muito solitários.

Folha - Escândalos como o da "máfia do apito" demonstram que o futebol traduz mais do Brasil do que sua aptidão para o esporte?
Giorgetti -
É exagerado [o paralelo]. Acho até necessário o juiz ladrão. Está institucionalizada a figura do juiz ladrão. Se for retirada do imaginário, será uma perda muito grande. O futebol é composto de personagens. O juiz ladrão é um deles. Acho legal esse escândalo. Vai haver outros.

Folha - Mas a compra de resultados não é a derrota do futebol para interesses que não os esportivos?
Giorgetti -
É verdade, mas isso não é uma coisa nova. Desde o primeiro jogo de futebol alguém se sentiu roubado e falou: "Esse resultado foi comprado".
No futebol tem isso. É legal. A gente não sabe se foi comprado ou não. Para os que perdem, é um consolo dizer que foi roubado.

Folha - O árbitro de seu filme é Denise Fraga. Mulheres na arbitragem são novidade bem-vinda?
Giorgetti -
Essa é uma novidade muito estranha, porque todo mundo é contra. Mas entrou um politicamente correto tão forte... Ao mesmo tempo, a federação tenta criar atrações, porque o próprio jogo está muito feio. Os jogadores estão todos na Europa. Então, como o jogo está ruim, põe uma mulher e vamos ver no que vai dar...

Folha - O brasileiro ex-craque no Boca Juniors no filme é uma provocação com os argentinos?
Giorgetti -
Não. Vários brasileiros jogaram lá. O Orlando, da seleção brasileira de 1958, foi capitão do Boca durante três anos. Capitão do time! Evitei a provocação cuidadosamente ao não colocar o malandro como argentino.

Folha - O melhor jogador do Brasil hoje é um argentino?
Giorgetti -
Não joga muito, mas é, porque está tão fraco aqui... Mas não sei. Tenho minhas dúvidas. Já vi argentinos melhores do que o Tevez jogarem no Brasil.


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