São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2006

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DUAS VISÕES SOBRE "BOLEIROS 2"

Mais do que futebol, o tema é o tempo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Boleiros" não foi um grande sucesso de público. Era uma resposta ao desafio de fazer um filme sobre futebol e começou por esbarrar na estranha palavra do título -que, curiosamente, depois disso e aos poucos, se tornou popular.
"Boleiros" também não foi um dos melhores filmes de Ugo Giorgetti. A estrutura simples (ex-jogadores em um bar contavam histórias do futebol de seu tempo) e talvez a falta de hábito de produzir filmes sobre o esporte pesaram para que o resultado fosse mais simpático do que profundo.
Assim, tudo incita a indagar "Boleiros 2" começando pela pergunta: por que fazer "Boleiros 2"?
Se Ugo Giorgetti disser que era para retificar o primeiro, seria um bom começo. Com efeito, o futebol deixa aqui de ser o centro dos acontecimentos para se tornar um ponto de observação do mundo ao seu redor -a cidade de São Paulo e, mais amplamente, o Brasil. Ganha, com isso, a amplitude que o primeiro "Boleiros" ameaçou ter, antes de se afirmar como um filme da memória.
Mas, se Giorgetti disser que se trata de retificar não o filme original, mas a própria sociedade a observar, também estará começando bem.
Vejamos apenas uma mudança, evidente porque envolve a cenografia. O velho bar-sede, de cores discretas e decoração quase austera, foi reformado e substituído por um colorido estridente, plástico, em que o bom gosto leva uma tunda vergonhosa.
Os velhos jogadores continuam lá, mas agora já não parecem os donos do pedaço. Ficam confinados no mezanino, quase à margem de um mundo atual que, no térreo, se constrói não apenas sem eles, mas contra eles. Contra o passado, contra a memória com craques negociantes, empresários raposas etc.
Aos poucos, compreendemos então que "Boleiros 2" não é bem um filme sobre futebol, mas sobre a história: o correr inexorável do tempo, as transformações, a lembrança e o esquecimento.
Não será exagerado qualificar Giorgetti de passadista. Cada vez mais, seus filmes aprofundam o registro agridoce que os caracteriza desde, pelo menos, "Festa". O presente, porém, cada vez mais parece desprovido de civilidade e educação. O gosto que degenera não é mais que sintoma de uma involução geral, ou de uma evolução para a barbárie, que inclui a corrosão pela ânsia de lucro e a decorrente desonestidade.
Se Giorgetti se abre para a história, ela equivale a isso: fracasso, degeneração. Como tudo, o mundo do futebol tende a piorar. O que no primeiro filme era presságio cruel (o menino problema da escolinha de Adriano Stuart) transforma-se em tragédia.
Como seu predecessor, "Boleiros 2" é um filme em que os personagens existem para servir às situações. Elas comandam. A soma delas produz a impressão geral neste filme que não impressiona pela beleza da luz ou pela precisão dos enquadramentos, mas por uma disciplina que nos permite ver um quadro atual das coisas -tal como as vê seu autor.


Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos
    
Direção: Ugo Giorgetti
Produção: Brasil, 2006
Com: Adriano Stuart, Flávio Migliaccio
Quando: a partir de hoje nos cines Morumbi, Espaço Unibanco e circuito


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