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DUAS VISÕES SOBRE "BOLEIROS 2"
Mais do que futebol, o tema é o tempo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Boleiros" não foi um
grande sucesso de público.
Era uma resposta ao desafio de fazer um filme sobre futebol e começou por esbarrar na estranha
palavra do título -que, curiosamente, depois disso e aos poucos,
se tornou popular.
"Boleiros" também não foi um
dos melhores filmes de Ugo Giorgetti. A estrutura simples (ex-jogadores em um bar contavam histórias do futebol de seu tempo) e
talvez a falta de hábito de produzir filmes sobre o esporte pesaram
para que o resultado fosse mais
simpático do que profundo.
Assim, tudo incita a indagar
"Boleiros 2" começando pela pergunta: por que fazer "Boleiros 2"?
Se Ugo Giorgetti disser que era
para retificar o primeiro, seria um
bom começo. Com efeito, o futebol deixa aqui de ser o centro dos
acontecimentos para se tornar
um ponto de observação do mundo ao seu redor -a cidade de São
Paulo e, mais amplamente, o Brasil. Ganha, com isso, a amplitude
que o primeiro "Boleiros" ameaçou ter, antes de se afirmar como
um filme da memória.
Mas, se Giorgetti disser que se
trata de retificar não o filme original, mas a própria sociedade a observar, também estará começando bem.
Vejamos apenas uma mudança,
evidente porque envolve a cenografia. O velho bar-sede, de cores
discretas e decoração quase austera, foi reformado e substituído
por um colorido estridente, plástico, em que o bom gosto leva
uma tunda vergonhosa.
Os velhos jogadores continuam
lá, mas agora já não parecem os
donos do pedaço. Ficam confinados no mezanino, quase à margem de um mundo atual que, no
térreo, se constrói não apenas
sem eles, mas contra eles. Contra
o passado, contra a memória com
craques negociantes, empresários
raposas etc.
Aos poucos, compreendemos
então que "Boleiros 2" não é bem
um filme sobre futebol, mas sobre
a história: o correr inexorável do
tempo, as transformações, a lembrança e o esquecimento.
Não será exagerado qualificar
Giorgetti de passadista. Cada vez
mais, seus filmes aprofundam o
registro agridoce que os caracteriza desde, pelo menos, "Festa". O
presente, porém, cada vez mais
parece desprovido de civilidade e
educação. O gosto que degenera
não é mais que sintoma de uma
involução geral, ou de uma evolução para a barbárie, que inclui a
corrosão pela ânsia de lucro e a
decorrente desonestidade.
Se Giorgetti se abre para a história, ela equivale a isso: fracasso,
degeneração. Como tudo, o mundo do futebol tende a piorar. O
que no primeiro filme era presságio cruel (o menino problema da
escolinha de Adriano Stuart)
transforma-se em tragédia.
Como seu predecessor, "Boleiros 2" é um filme em que os personagens existem para servir às
situações. Elas comandam. A soma delas produz a impressão geral neste filme que não impressiona pela beleza da luz ou pela precisão dos enquadramentos, mas
por uma disciplina que nos permite ver um quadro atual das coisas -tal como as vê seu autor.
Boleiros 2 - Vencedores e Vencidos
Direção: Ugo Giorgetti
Produção: Brasil, 2006
Com: Adriano Stuart, Flávio Migliaccio
Quando: a partir de hoje nos cines Morumbi, Espaço Unibanco e circuito
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