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CRÍTICA/LIVRO
Biografia exibe Heleno entre o céu e o inferno
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Não há no futebol brasileiro jogador mais romanesco", disse Nelson Rodrigues a respeito de Heleno de
Freitas (1920-1959), atacante do
Botafogo e da seleção brasileira, ídolo nos anos 40.
É difícil para o leitor de hoje
avaliar o que foi Heleno. Seria
necessário imaginar um jogador de extrema perícia técnica
que fosse ao mesmo tempo belo como Raí (ou Kaká), elegante como Falcão, culto como
Tostão, intempestivo como
Edmundo e autodestrutivo como Maradona.
Filho de uma tradicional família mineira, advogado formado, Heleno foi durante uma
década o rei do Rio, desfilando
em Cadillacs conversíveis, passando as tardes na piscina do
Copacabana Palace e as noites
nas boates e cassinos da cidade.
Diz a lenda que de sua extensa lista de conquistas femininas
teria feito parte a primeira-dama da Argentina, Evita Perón,
na época em que Heleno defendeu as cores do Boca Juniors.
Esse lado cintilante da figura
de Heleno tinha uma contrapartida sombria. Explosivo e
arrogante, o craque arrumava
encrenca em todo jogo, com os
adversários, os juízes e até com
seus companheiros.
Fora de campo, era um gentleman, pelo menos até que o
vício em lança-perfume, e depois em éter, fizesse dele uma
pessoa de convivência difícil.
A vertiginosa deterioração física e moral de Heleno foi acentuada por uma doença terrível,
a sífilis. Morreu em um sanatório de Barbacena (MG) aos 39
anos, com um único dente na
boca, sem reconhecer parentes
mais próximos.
Essa trajetória trágica é narrada de modo envolvente na
biografia "Nunca Houve um
Homem como Heleno", do jornalista Marcos Eduardo Neves.
O título remete ao slogan publicitário do filme "Gilda"
(1946), estrelado por Rita Hayworth: "Nunca houve mulher
como Gilda". É que os torcedores adversários, quando queriam irritar Heleno, gritavam
em coro: "Gilda, Gilda", espicaçando a vaidade do jogador.
O binômio amor/ódio, nas
relações entre o público e seus
ídolos, é um dos temas que permeiam o livro. No Botafogo,
Heleno conheceu a veneração
mais delirante e a hostilidade
mais brutal. Na Argentina e na
Colômbia, ocorreu o mesmo.
Outros subtemas perpassam
a biografia: a modernização do
Brasil, os anos de ouro da noite
carioca, a passagem do amadorismo ao profissionalismo pleno no futebol, as transformações da cultura de massas.
Apesar de certa instabilidade
da linguagem, resvalando no
clichê, o livro cumpre bem o
seu papel, e nos faz esperar o
filme "Heleno", prometido por
José Henrique Fonseca ("O
Homem do Ano").
Nunca Houve um Homem como Heleno
Autor: Marcos Eduardo Neves
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (312 págs.)
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