São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2006

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CRÍTICA/LIVRO

Biografia exibe Heleno entre o céu e o inferno

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Não há no futebol brasileiro jogador mais romanesco", disse Nelson Rodrigues a respeito de Heleno de Freitas (1920-1959), atacante do Botafogo e da seleção brasileira, ídolo nos anos 40.
É difícil para o leitor de hoje avaliar o que foi Heleno. Seria necessário imaginar um jogador de extrema perícia técnica que fosse ao mesmo tempo belo como Raí (ou Kaká), elegante como Falcão, culto como Tostão, intempestivo como Edmundo e autodestrutivo como Maradona.
Filho de uma tradicional família mineira, advogado formado, Heleno foi durante uma década o rei do Rio, desfilando em Cadillacs conversíveis, passando as tardes na piscina do Copacabana Palace e as noites nas boates e cassinos da cidade.
Diz a lenda que de sua extensa lista de conquistas femininas teria feito parte a primeira-dama da Argentina, Evita Perón, na época em que Heleno defendeu as cores do Boca Juniors.
Esse lado cintilante da figura de Heleno tinha uma contrapartida sombria. Explosivo e arrogante, o craque arrumava encrenca em todo jogo, com os adversários, os juízes e até com seus companheiros.
Fora de campo, era um gentleman, pelo menos até que o vício em lança-perfume, e depois em éter, fizesse dele uma pessoa de convivência difícil.
A vertiginosa deterioração física e moral de Heleno foi acentuada por uma doença terrível, a sífilis. Morreu em um sanatório de Barbacena (MG) aos 39 anos, com um único dente na boca, sem reconhecer parentes mais próximos.
Essa trajetória trágica é narrada de modo envolvente na biografia "Nunca Houve um Homem como Heleno", do jornalista Marcos Eduardo Neves.
O título remete ao slogan publicitário do filme "Gilda" (1946), estrelado por Rita Hayworth: "Nunca houve mulher como Gilda". É que os torcedores adversários, quando queriam irritar Heleno, gritavam em coro: "Gilda, Gilda", espicaçando a vaidade do jogador.
O binômio amor/ódio, nas relações entre o público e seus ídolos, é um dos temas que permeiam o livro. No Botafogo, Heleno conheceu a veneração mais delirante e a hostilidade mais brutal. Na Argentina e na Colômbia, ocorreu o mesmo.
Outros subtemas perpassam a biografia: a modernização do Brasil, os anos de ouro da noite carioca, a passagem do amadorismo ao profissionalismo pleno no futebol, as transformações da cultura de massas.
Apesar de certa instabilidade da linguagem, resvalando no clichê, o livro cumpre bem o seu papel, e nos faz esperar o filme "Heleno", prometido por José Henrique Fonseca ("O Homem do Ano").


Nunca Houve um Homem como Heleno
   
Autor: Marcos Eduardo Neves
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 39,90 (312 págs.)


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