São Paulo, sábado, 07 de abril de 2007

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Obra apresenta Jesus como "100% político"

Para autores de "A Última Semana", agora lançado, Cristo era rebelde antiimperialista

Livro vê em cada gesto de Jesus Cristo na Semana Santa uma etapa de luta e resistência não-violenta contra o Império Romano


DA REPORTAGEM LOCAL

É conhecida a implicância que Nelson Rodrigues tinha com uma das mais importantes lideranças religiosas do século passado, d. Hélder Câmara -à época, final dos anos 60, arcebispo de Olinda e Recife.
Num de seus textos, o cronista relatava a participação do bispo em um programa de TV. "A folhas tantas da entrevista", diz Nelson, o locutor lhe fazia uma pergunta: "D. Hélder, tem aqui um telespectador pedindo sua opinião sobre o amor livre".
"Para que falar de amor livre, se o Nordeste passa fome?", teria dito o religioso. Nelson pula do sofá. Para o escritor, a questão era crucial. "O amor livre", ele diz, "é a fome de amor". "A pior forma de solidão é o sexo sem amor."
Num passe lógico, o cronista condena o "arcebispo vermelho" por, segundo ele, reduzir o problema do ser humano a um prato de arroz com feijão. O buraco da existência -e da religião- seria mais embaixo.
Pois Marcus J. Borg e John Dominic Crossan, autores do recém-lançado "A Última Semana" (Nova Fronteira, 256 págs., R$ 29,90), dão ênfase ao arroz-com-feijão.
Na sua análise dos dias entre o Domingo de Ramos e a Páscoa, os autores afirmam que Jesus Cristo era, em essência, um rebelde antiimperialista e que sua mensagem era, simultaneamente, "100% religiosa e 100% política".
Tudo começa, como se sabe, com a entrada de Cristo em Jerusalém no domingo anterior à sua crucificação. Os autores lembram ao leitor que aquele líder chegava à cidade montado num humilde burrico ao mesmo tempo que Pilatos -este por sua vez num cavalo enfeitado, por outros portões, representante do Império Romano.
"Dois cortejos entraram em Jerusalém naquele dia. A mesma pergunta, a mesma alternativa, está diante dos fiéis a Jesus hoje. Em que cortejo estamos? Em que procissão queremos entrar?", escrevem.
A polaridade está montada. E será reapresentada da "fúria de Jesus no templo" à crucificação -pena destinada, afinal, aos traidores do império.
A resposta à pergunta posta no primeiro capítulo aparece no último dia da Semana Santa. "O significado antiimperialista da Sexta-Feira Santa e do Domingo de Páscoa é particularmente importante e desafiador para os cristãos de nosso tempo. [...] Os Estados Unidos são o poder imperial dominante no mundo."

Contra Bush
Questionado pela Folha, Borg diz que, sim, para cristãos nos EUA hoje, "levar Jesus a sério de fato significa colocar-se em oposição às políticas imperiais americanas". "Os meios para fazê-lo, numa democracia, são óbvios: votar, apoiar financeiramente organizações que promovam a paz e a justiça, tomar parte em manifestações."
Não é preciso dizer que a leitura de Borg e Crossan lembra de muitas maneiras a Teologia da Libertação. Isso é reconhecido por Borg, que diz ser óbvio que a Bíblia é toda ela um discurso de libertação, da fuga do Egito aos evangelhos.
Parece simples como um prato de comida, e, no caso dos autores de "A Última Semana", é de algum modo reducionista. Mas quem há de dizer que não há verdade nas leituras políticas do evangelho?
No Antigo Testamento, o sacrifício da melhor ovelha, que não seria consumida, significava colocar-se numa posição de humildade perante a Deus e reconhecer que "tudo é graça". Mais que fruto do trabalho, mais que merecimento, mais que bondade. Gratuidade.
Jesus, o leitor sabe, é o cordeiro de Deus. É a melhor ovelha, também ele sacrificado. De que graça ele fala, já que a graça "ontológica" já havia sido anunciada pelos hebreus? A graça das relações humanas. Elas não têm nada a ver com poder ou fabricação. Só com amor. (RAFAEL CARIELLO)


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