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Obra apresenta Jesus como "100% político"
Para autores de "A Última Semana", agora lançado, Cristo era rebelde antiimperialista
Livro vê em cada gesto de Jesus Cristo na Semana Santa uma etapa de luta e resistência não-violenta contra o Império Romano
DA REPORTAGEM LOCAL
É conhecida a implicância
que Nelson Rodrigues tinha
com uma das mais importantes
lideranças religiosas do século
passado, d. Hélder Câmara -à
época, final dos anos 60, arcebispo de Olinda e Recife.
Num de seus textos, o cronista relatava a participação do
bispo em um programa de TV.
"A folhas tantas da entrevista",
diz Nelson, o locutor lhe fazia
uma pergunta: "D. Hélder, tem
aqui um telespectador pedindo
sua opinião sobre o amor livre".
"Para que falar de amor livre,
se o Nordeste passa fome?", teria dito o religioso. Nelson pula
do sofá. Para o escritor, a questão era crucial. "O amor livre",
ele diz, "é a fome de amor". "A
pior forma de solidão é o sexo
sem amor."
Num passe lógico, o cronista
condena o "arcebispo vermelho" por, segundo ele, reduzir o
problema do ser humano a um
prato de arroz com feijão. O buraco da existência -e da religião- seria mais embaixo.
Pois Marcus J. Borg e John
Dominic Crossan, autores do
recém-lançado "A Última Semana" (Nova Fronteira, 256
págs., R$ 29,90), dão ênfase ao
arroz-com-feijão.
Na sua análise dos dias entre
o Domingo de Ramos e a Páscoa, os autores afirmam que Jesus Cristo era, em essência, um
rebelde antiimperialista e que
sua mensagem era, simultaneamente, "100% religiosa e 100%
política".
Tudo começa, como se sabe,
com a entrada de Cristo em Jerusalém no domingo anterior à
sua crucificação. Os autores
lembram ao leitor que aquele
líder chegava à cidade montado
num humilde burrico ao mesmo tempo que Pilatos -este
por sua vez num cavalo enfeitado, por outros portões, representante do Império Romano.
"Dois cortejos entraram em
Jerusalém naquele dia. A mesma pergunta, a mesma alternativa, está diante dos fiéis a Jesus hoje. Em que cortejo estamos? Em que procissão queremos entrar?", escrevem.
A polaridade está montada. E
será reapresentada da "fúria de
Jesus no templo" à crucificação
-pena destinada, afinal, aos
traidores do império.
A resposta à pergunta posta
no primeiro capítulo aparece
no último dia da Semana Santa.
"O significado antiimperialista
da Sexta-Feira Santa e do Domingo de Páscoa é particularmente importante e desafiador
para os cristãos de nosso tempo. [...] Os Estados Unidos são o
poder imperial dominante no
mundo."
Contra Bush
Questionado pela Folha,
Borg diz que, sim, para cristãos
nos EUA hoje, "levar Jesus a
sério de fato significa colocar-se em oposição às políticas imperiais americanas". "Os meios
para fazê-lo, numa democracia,
são óbvios: votar, apoiar financeiramente organizações que
promovam a paz e a justiça, tomar parte em manifestações."
Não é preciso dizer que a leitura de Borg e Crossan lembra
de muitas maneiras a Teologia
da Libertação. Isso é reconhecido por Borg, que diz ser óbvio
que a Bíblia é toda ela um discurso de libertação, da fuga do
Egito aos evangelhos.
Parece simples como um
prato de comida, e, no caso dos
autores de "A Última Semana",
é de algum modo reducionista.
Mas quem há de dizer que não
há verdade nas leituras políticas do evangelho?
No Antigo Testamento, o sacrifício da melhor ovelha, que
não seria consumida, significava colocar-se numa posição de
humildade perante a Deus e reconhecer que "tudo é graça".
Mais que fruto do trabalho,
mais que merecimento, mais
que bondade. Gratuidade.
Jesus, o leitor sabe, é o cordeiro de Deus. É a melhor ovelha, também ele sacrificado. De
que graça ele fala, já que a graça
"ontológica" já havia sido
anunciada pelos hebreus? A
graça das relações humanas.
Elas não têm nada a ver com
poder ou fabricação. Só com
amor.
(RAFAEL CARIELLO)
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