São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2004

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"DIÁRIOS DE MOTOCICLETA"

Filme retrata viagem de Ernesto Che Guevara e Alberto Granado pela América Latina

Com este, Walter Salles faz seu melhor longa

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

A essa altura do campeonato, o leitor já não agüenta mais ouvir falar em "Diários de Motocicleta", Che Guevara, Walter Salles e Gael García Bernal. Pois vai ter de ouvir mais, já que o longa-metragem estréia hoje no Brasil e será exibido no dia 19 no Festival de Cannes.
A palavra "campeonato", aliás, vem a propósito: há um clima de torcida a cada filme novo de Salles. O diretor brasileiro mais reconhecido no exterior envolve o país, e o país se envolve de tal maneira a cada longa, desde pelo menos "Central do Brasil" (1998), que seus lançamentos são mais filmes-evento do que meros longas-metragens que estréiam.
Só a madrugada que elenco, amigos, convidados e imprensa passaram no restaurante paulistano Spot, na semana passada, daria um curta -e dos bons. Já o making of das filmagens tanto daria um documentário que deu, "Travelling with Che Guevara".
Agora, chega o filme em si. Para continuar na metáfora futebolística, Salles faz um gol. É seu melhor longa, porque, lidando com um mito, não cede à tentação de sair com uma solução mágica no final, antes oferece um paradoxo. Sentimental, no caso: deixamos o cinema alegres, pensando em tudo o que Che queria e viria a fazer, mas cínicos, pois vivemos o tempo depois daquele, em que já sabemos que tudo deu irremediavelmente errado.
Em "Diários", há dois roteiros a percorrer. O primeiro é do próprio Che em sua viagem iniciática com um amigo pela América Latina, que despertará no jovem de classe média o instinto revolucionário. É cinema de grande qualidade, e para isso ajudam o roteiro do porto-riquenho José Rivera, a fotografia indecentemente bonita de Eric Gautier e a dupla central, Gael García Bernal (Che) e Rodrigo de la Serna (como o amigo Alberto Granado), este o grande ator do filme.
O outro é o do diretor, que a cada um de seus cinco longas vem reforçando a máxima de Leon Tolstói e se torna mais universal cantando suas aldeias, do renegado "A Grande Arte" (1991) ao visceral e glauberiano "Abril Despedaçado" (2001).
Nesse périplo progressivamente globalizante, não por acaso "Diários" é falado em espanhol e revive o sonho da união latino-americana, e o próximo, o inédito "Dark Water", vem em inglês, com atores anglo-americanos e origem japonesa. Da Central ao Nordeste, do Nordeste ao Mercosul, deste ao mundo.
Há um problema, que diz mais respeito ao material no qual foi baseado do que ao longa em si. Tanto as memórias de Granado quanto os diários do próprio Che o pintam com tintas messiânicas demais. Assim, mesmo na fase proto-revolucionária de que trata o filme, ele não mente, não rouba e troca as mulheres para ajudar uma velhinha moribunda.
Mas, como disse Granado à Folha e como reforça "Diários de Motocicleta" em suas duas melhores cenas -a conversa dos dois amigos em Machu Picchu e a travessia do rio Amazonas que Che faz a nado-, este não era um homem comum.


Diários de Motocicleta
The Motorcycle Diaries
    
Direção: Walter Salles
Produção: Peru/Chile/Inglaterra/ Argentina/Brasil, 2004
Com: Gael García Bernal, Rodrigo de la Serna, Mía Maestro
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Bristol, Morumbi, Espaço Unibanco, Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito



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