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GASTRONOMIA NA TV
O chef Claude Troisgros conta que recusou as aulas de dicção e diz que é parado na rua por fãs
"Não estou nem aí, me divirto com a câmera"
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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Claude Troisgros no 66 Bistrô; ele também comanda o Olympe |
JANAINA FIDALGO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Tudo começou como uma viagem com data de retorno marcada para dali dois anos. Vinte e sete
anos se passaram, e Claude Troisgros, 50, um dos chefs mais relevantes do Brasil, nem pensa em
morar novamente na França.
De Roanne, onde nasceu, trouxe a tradição gastronômica familiar, hoje na quarta geração de
chefs. Mas foi no Brasil que Claude, distante da sombra do pai, o
premiado Pierre Troisgros, se estabeleceu. Além do restaurante
Olympe, acaba de abrir o 66 Bistrô (ambos no Rio), está prestes a
lançar uma linha de molhos e estréia amanhã série sobre Portugal
dentro do seu bem-sucedido programa, o "Menu Confiança", exibido pelo GNT (leia texto abaixo).
Na viagem ao país europeu, tenta
desvendar os segredos do pastel
de Belém e de outras iguarias.
Uma das maiores audiências do
canal, o programa tem entre seus
trunfos a descontração com que
Troisgros ensina o preparo dos
pratos e dispara seu ainda carregado sotaque, simbolizado pelo
bordão "Marrrravilha".
Em entrevista à Folha, falou sobre sua trajetória no Brasil, o início na TV e de como os jovens
chefs têm condicionado o êxito
profissional à criação a qualquer
custo. "Os chefs em começo de
carreira estão muito aflitos com a
criatividade", afirma. "A primeira
coisa que querem é ser um Ferran
Adrià, um Alain Ducasse. O Adrià
realmente criou novas técnicas,
mas hoje está sendo tão copiado
que corre o risco de se banalizar."
No sentido contrário, defende a
retomada de uma cozinha mais
tradicional, em que "se sinta o que
está comendo de verdade".
Folha - Você pertence à terceira
geração de uma família ligada à
gastronomia. Daria para ter escolhido outra profissão?
Claude Troisgros - Queria ser jornalista gastronômico. [risos].
Nasci em 1956 e, nesta época, morávamos na casa de Roanne, onde
ainda existe o restaurante, todos
juntos: meu avô, minha avó, minha tia, meu pai, Pierre, meu tio
Jean, as mulheres e os filhos dos
dois e mais quatro cachorros.
Nós, crianças, brincávamos na
cozinha o tempo inteiro, com os
cozinheiros, as facas, as lebres, os
produtos. Todos viraram cozinheiros ou algo ligado à profissão.
Folha - Que lembranças você traz
deste universo gastronômico?
Troisgros - Víamos os produtos
chegarem ao hotel. Há 40 anos,
comprávamos [os ingredientes]
direto do caçador, do pescador. O
caçador chegava com a lebre e a
deixava pendurada. Ficava meio
apodrecendo por quase uma semana, aí tirava a barriga, era um
fedor. Falo disso e sinto o cheiro,
um cheiro forte. Para ter uma
idéia do quão forte era a nossa situação gastronômica, eu assinei
um contrato de brincadeira com o
chef Paul Bocuse aos seis anos. E
realmente foi o primeiro restaurante onde trabalhei.
Folha - Por pertencer a uma família de chefs e ser filho do Pierre
Troisgros, você se sente cobrado?
Troisgros - É difícil fazer um caminho, criar seu próprio nome.
Vi meu pai sofrer com isso também porque ele era o filho do
Jean-Baptiste. Sofri com isso. De
repente, pode ser uma das razões
pelas quais eu vim parar no Brasil,
para fugir desta responsabilidade,
ou para criar meu caminho.
Folha - A história se repetiu e, como você, seu filho adotou a profissão do pai. Como lida com isso?
Troisgros - Tento ser bastante
cool. Ele não tem que sentir a
pressão do pai. O fato de ele estar
no 66 Bistrô é muito bom porque
ele primeiro vai se fortalecer numa coisa que é muito mais tradicional. Depois pode fazer uma cozinha mais evolutiva, ou fusion.
Folha - O que há com a fusion?
Troisgros - É o chef o problema.
A fusion teve um momento muito
bom, um chef de alta capacidade,
como o Norman Van Aken. Tem
uns outros que copiaram e começaram a achar que fusion era misturar qualquer coisa. E não é.
Folha - Quando veio para cá, imaginou que ficaria tanto tempo?
Troisgros - Vim para ficar dois
anos. Me apaixonei não só pela
minha mulher mas também pelo
Rio. Eu e o Laurent Suaudeau começamos a criar, sem saber, uma
culinária franco-brasileira, usando produtos da estação, frescos.
Incorporamos esses produtos à
técnica francesa meio sem saber o
por quê. Fazíamos porque precisávamos de um produto fresco.
Folha - Quase 27 depois, como é
sua visão da gastronomia do país?
Troisgros - Comparado a quando cheguei, a evolução é enorme.
Não tinha produto nem mão-de-obra. O cliente tomava vinho da
garrafa azul, o Liebfraumilch. Hoje temos escolas de gastronomia e
produtos que estão entre os melhores do mundo: as ostras de
Santa Catarina e um foie gras superior ao francês.
Folha - A valorização dos produtos brasileiros por parte dos chefs é
recente. Ao que atribui isso?
Troisgros - Fui um dos primeiros
a fazer isso. Hoje diria que esta é a
minha marca, mas tive momentos difíceis. Fazia um pato com
quiabo, e o cliente dizia: "Quero o
pato; o quiabo, não". Muitas vezes, incorporava esses produtos
no "menu confiance", e as pessoas comiam sem saber e adoravam. A culinária brasileira está
começando a ser exportada.
Folha - Quando começou a apresentar o "Menu Confiança", imaginava que faria tanto sucesso?
Troisgros - Não imaginava. [No
começo] a preocupação era exatamente o meu sotaque. Me disseram que eu teria de fazer umas aulas de dicção, de português. Eu falei: "Olha, tenho 48 anos e essa
não é a minha preocupação. Por
que não botam uma bolha? Por
que não me traduzem?". Virou
um casamento perfeito. Primeiro
entre a comida e o vinho; segundo
entre eu e o Renato [Machado].
Somos opostos. Ele é aquele cara
sério, galã, que fala bem. Eu não
estou nem aí, me divirto com a câmera e tudo que sai, sai.
Folha - O que mudou depois que
começou a apresentar o programa?
Como lida com o assédio?
Troisgros - As pessoas me param
na rua, vêm ao restaurante tirar
foto. Outro dia eu estava tomando
uma cerveja no bar da esquina, e
um homem da mesa ao lado me
deu o celular e falou: "É a minha
mulher, uma fã do senhor, é o aniversário dela. Eu falei: "Alô". E a
mulher do outro lado fez um escândalo. Depois, fui à churrascaria e um senhor não parava de me
olhar. Quando fui embora, passei
e disse boa tarde. Ele virou: "Você
não é Cláude Tróisgrô?" [risos]
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