|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA/ESTREIAS
Crítica/ "O Inferno de Henri-Georges Clouzot"
Filme narra insanidade de Clouzot
Ambição desmedida de obra inacabada do cineasta é tema de documentário
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Henri-Georges Clouzot
nunca foi o gênio que
tanto ele como uma
parte da França julgavam ser. É
daí que resulta o inferno que foi
a feitura de "O Inferno": um filme de ambição desmedida tropeçando todo o tempo nas limitações e, mais tarde, na insânia
de seu realizador.
O fato é que Clouzot sentia-se ultrapassado, no começo dos
anos 1960, pelo jovem cinema
que nascia. O estrangeiro tanto
quanto o francês. No caso francês, com a agravante de que a
nouvelle vague, então no auge
de sua vitalidade, era constituída por um bando de desafetos.
Sua resposta a isso seria "O
Inferno", um filme para revolucionar o cinema. Um filme com
história relativamente simples
(marido de uma bela mulher
sente ciúmes doentios por ela),
que mais tarde seria feito por
Claude Chabrol ("Ciúme - O
Inferno do Amor Possessivo",
1994), para o qual Clouzot contratou Romy Schneider.
O primeiro mérito dos diretores deste documentário, Serge Bromberg e Ruxandra Medrea, consiste em ter descoberto os originais deste filme inacabado e seguido os traços da
mente de Clouzot ao realizá-lo.
É um trabalho de arqueologia
do filme, de seus primeiros passos até a ruína.
O mais interessante é que a
ruína prevista pelo roteiro é a
mesma que se verifica enquanto o filme é rodado: quanto
mais passa o tempo, mais o cineasta parece perturbado, mais
acrescenta elementos ao seu
trabalho, mais tiraniza seus
atores. Em suma: mais se distancia de seu objetivo inicial,
que era ter um filme feito.
Quanto à genialidade, nem falemos do assunto.
Aqui se mostra com clareza
porque ele era chamado de "falsa lenda" por François Truffaut
e seus amigos da nouvelle vague. É verdade que os realizadores do documentário insistem na genialidade de Clouzot.
Mas pode-se suspeitar que
isso era sobretudo para cair nas
graças da família do cineasta.
Vendo hoje os filmes desse diretor é impossível detectar
qualquer sombra de gênio.
Vendo as cenas filmadas por ele
o que se pode imaginar é que
seu "Inferno" seria um filme
pesado, acadêmico, sombrio
-não muito mais do que isso, e
muito, muito menos do que o
pior Bergman, por exemplo.
Tudo isso não desvaloriza o
trabalho de Bromberg e Medrea. Esse making of de um filme inacabado termina por ser
uma notável lição dos riscos
que rondam a mente de um cineasta e, por conseguinte, seu
filme. Ao mesmo tempo, constituem uma instrutiva aula de
mais ou menos tudo que deve
ser evitado para levar seu filme
até o final. Por fim, honra se faça a Clouzot: ele podia não ser
um gênio, mas a paixão com
que se dedicou a este filme com
o qual desceu aos infernos é,
admita-se, comovente.
O INFERNO DE HENRI-GEORGES
CLOUZOT
Direção: Serge Bromberg e Ruxandra Medrea
Produção: França, 2009
Onde: Reserva Cultural
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Notas Próximo Texto: Crítica/"O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus": Terry Gilliam dosa delírio em comédia Índice
|