São Paulo, sexta-feira, 07 de maio de 2010

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/ "O Inferno de Henri-Georges Clouzot"

Filme narra insanidade de Clouzot

Ambição desmedida de obra inacabada do cineasta é tema de documentário

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Henri-Georges Clouzot nunca foi o gênio que tanto ele como uma parte da França julgavam ser. É daí que resulta o inferno que foi a feitura de "O Inferno": um filme de ambição desmedida tropeçando todo o tempo nas limitações e, mais tarde, na insânia de seu realizador.
O fato é que Clouzot sentia-se ultrapassado, no começo dos anos 1960, pelo jovem cinema que nascia. O estrangeiro tanto quanto o francês. No caso francês, com a agravante de que a nouvelle vague, então no auge de sua vitalidade, era constituída por um bando de desafetos.
Sua resposta a isso seria "O Inferno", um filme para revolucionar o cinema. Um filme com história relativamente simples (marido de uma bela mulher sente ciúmes doentios por ela), que mais tarde seria feito por Claude Chabrol ("Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo", 1994), para o qual Clouzot contratou Romy Schneider.
O primeiro mérito dos diretores deste documentário, Serge Bromberg e Ruxandra Medrea, consiste em ter descoberto os originais deste filme inacabado e seguido os traços da mente de Clouzot ao realizá-lo. É um trabalho de arqueologia do filme, de seus primeiros passos até a ruína.
O mais interessante é que a ruína prevista pelo roteiro é a mesma que se verifica enquanto o filme é rodado: quanto mais passa o tempo, mais o cineasta parece perturbado, mais acrescenta elementos ao seu trabalho, mais tiraniza seus atores. Em suma: mais se distancia de seu objetivo inicial, que era ter um filme feito.
Quanto à genialidade, nem falemos do assunto. Aqui se mostra com clareza porque ele era chamado de "falsa lenda" por François Truffaut e seus amigos da nouvelle vague. É verdade que os realizadores do documentário insistem na genialidade de Clouzot. Mas pode-se suspeitar que isso era sobretudo para cair nas graças da família do cineasta.
Vendo hoje os filmes desse diretor é impossível detectar qualquer sombra de gênio. Vendo as cenas filmadas por ele o que se pode imaginar é que seu "Inferno" seria um filme pesado, acadêmico, sombrio -não muito mais do que isso, e muito, muito menos do que o pior Bergman, por exemplo.
Tudo isso não desvaloriza o trabalho de Bromberg e Medrea. Esse making of de um filme inacabado termina por ser uma notável lição dos riscos que rondam a mente de um cineasta e, por conseguinte, seu filme. Ao mesmo tempo, constituem uma instrutiva aula de mais ou menos tudo que deve ser evitado para levar seu filme até o final. Por fim, honra se faça a Clouzot: ele podia não ser um gênio, mas a paixão com que se dedicou a este filme com o qual desceu aos infernos é, admita-se, comovente.


O INFERNO DE HENRI-GEORGES CLOUZOT

Direção: Serge Bromberg e Ruxandra Medrea
Produção: França, 2009
Onde: Reserva Cultural
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo




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