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Guitarrista escreve livro
sobre Tenório Jr., músico
que sumiu na Argentina
durante turnê com
Vinicius e Toquinho
Tortura e morte de pianista voltam à tona 21 anos depois
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
Um músico de talento, sem nenhum antecedente de militância
política, está em turnê por um país
sul-americano, às vésperas de um
golpe militar. De madrugada, sai
do hotel para comer e desaparece.
Podia ser um filme do cineasta
grego Costa-Gavras, mas é uma
tragédia real, que desabou sobre o
pianista Francisco Tenório Cerqueira Jr. há 21 anos e que agora se
transforma em livro.
Carioca de Laranjeiras, Tenorinho -como alguns o conheciam- excursionava pelo Uruguai e Argentina com o violonista
Toquinho e o poeta Vinicius de
Moraes.
Na madrugada de 18 de março de
1976, sentiu fome e resolveu comprar um sanduíche. Aproveitaria
para também trazer o remédio que
um dos artistas brasileiros lhe pedira. Deixou o hotel Normandie,
no centro de Buenos Aires, por
volta das 3h, e não retornou.
Somente uma década depois é
que se descobriu o que aconteceu.
Naquele 18 de março, militares argentinos preparavam o golpe que,
em seis dias, iria depor a presidente Isabelita Perón.
O pianista deu azar. Saiu às ruas
justamente no momento em que
soldados do Serviço de Informações promoviam uma blitz para
pegar o terrorista Ricardo Caño.
Embora não fizesse parte de nenhuma organização política, Tenório Jr. acabou preso e se enredou
numa teia de arbitrariedades que o
levou à morte.
Foi fuzilado dentro da prisão, em
27 de março de 1976. Tinha 34 anos
e aguardava o nascimento do
quinto filho. Seu corpo continua
desaparecido.
Pela primeira vez, um livro resgatará o calvário do músico. A Atenas, pequena editora do sul de Minas, lança, no próximo dia 19, em
São Paulo, "O Crime Contra Tenório - Saga e Martírio de um Gênio do Piano Brasileiro".
A tiragem inicial é modesta: 1.100
exemplares. Também modestas
são as pretensões do autor, Frederico Mendonça de Oliveira, 52.
Guitarrista, ele conviveu com
Tenorinho no Rio entre 1974 e
1976. Costumava lhe arranjar "bicos" ou, "quando a grana apertava muito", saía à caça de interessados em alugar o piano elétrico
alemão do amigo -o mesmo
Wurlitzer que acompanhou Vinicius e Toquinho durante a turnê
pelo Cone Sul.
"O Crime Contra Tenório",
portanto, não é um trabalho metódico e distanciado de pesquisador.
Já na apresentação, Oliveira deixa antever o tom passional que domina todo o volume: "Tenório
despontava como um instrumentista soberbo, um músico de concepção encantada, uma figura luminosa. Seu piano era vertical, genial, religioso, sempre viril".
O guitarrista demorou quatro
anos para terminar o livro. Escreveu-o como uma missão. "Minha
vida perderia o sentido se não desse à dor de Tenório a dimensão que
merece", disse à Folha.
Quando o autor se debruça especificamente sobre a detenção e
morte do pianista, não acrescenta
nada às informações que a imprensa da época divulgou.
Concentra-se, sobretudo, nos
testemunhos de Cláudio Vallejos,
ex-soldado do Serviço de Inteligência da Marinha argentina que,
em 1986, deu um bombástico depoimento à revista "Senhor".
Admitiu que participou da prisão de Tenorinho e que o viu morrer. Tudo o que se sabe, desde então, sobre a via-crúcis do pianista
saiu da boca de Vallejos -e o livro
não traz vozes alternativas que
confirmem ou desmintam a versão
do ex-agente.
Mesmo assim, a simples reunião
dos fatos narrados pelo argentino
se revela muito significativa. Primeiro, por desnudar os abusos
que se cometiam nas casernas.
Depois, por demonstrar que o
governo militar brasileiro nutria
estreitas relações com os golpistas
da Argentina.
Vallejos conta que, quando revistaram Tenório Jr. nas ruas de
Buenos Aires, os agentes do serviço secreto não acharam nada de
suspeito. Mas o levaram preso porque usava "barba, cabelo grande e
uma vestimenta mais ou menos
hippie" (leia quadro à pág. 4-3).
Tão logo o pianista chegou à cela
da Esmar (Escola Mecânica da Armada), as autoridades argentinas
contataram o SNI, serviço brasileiro de informações.
Confirmaram, então, que Tenorinho nunca militara politicamente. Só que, raciocinavam os oficiais
do Brasil, poderia conhecer "artistas comunistas".
Em comum acordo, os militares
dos dois países resolveram mantê-lo preso e o interrogar sob tortura. Nem assim o músico entregou nomes.
A decisão de executá-lo se
apoiou no receio de que, em liberdade, Tenório Jr. comprometesse
os governos de ambos os lados.
"Já havíamos matado tantas
pessoas que uma morte a mais...",
declarou Vallejos à "Senhor".
"Como dizíamos, 'uma mancha a
mais no tigre não altera nada'."
Livro: O Crime Contra Tenório - Saga e
Martírio de um Gênio do Piano Brasileiro
Autor: Frederico Mendonça de Oliveira
Editora: Atenas Editorial
Preço: R$ 20 (256 págs.)
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