São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997.



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Guitarrista escreve livro sobre Tenório Jr., músico que sumiu na Argentina durante turnê com Vinicius e Toquinho
Tortura e morte de pianista voltam à tona 21 anos depois

ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local

Um músico de talento, sem nenhum antecedente de militância política, está em turnê por um país sul-americano, às vésperas de um golpe militar. De madrugada, sai do hotel para comer e desaparece.
Podia ser um filme do cineasta grego Costa-Gavras, mas é uma tragédia real, que desabou sobre o pianista Francisco Tenório Cerqueira Jr. há 21 anos e que agora se transforma em livro.
Carioca de Laranjeiras, Tenorinho -como alguns o conheciam- excursionava pelo Uruguai e Argentina com o violonista Toquinho e o poeta Vinicius de Moraes.
Na madrugada de 18 de março de 1976, sentiu fome e resolveu comprar um sanduíche. Aproveitaria para também trazer o remédio que um dos artistas brasileiros lhe pedira. Deixou o hotel Normandie, no centro de Buenos Aires, por volta das 3h, e não retornou.
Somente uma década depois é que se descobriu o que aconteceu. Naquele 18 de março, militares argentinos preparavam o golpe que, em seis dias, iria depor a presidente Isabelita Perón.
O pianista deu azar. Saiu às ruas justamente no momento em que soldados do Serviço de Informações promoviam uma blitz para pegar o terrorista Ricardo Caño.
Embora não fizesse parte de nenhuma organização política, Tenório Jr. acabou preso e se enredou numa teia de arbitrariedades que o levou à morte.
Foi fuzilado dentro da prisão, em 27 de março de 1976. Tinha 34 anos e aguardava o nascimento do quinto filho. Seu corpo continua desaparecido.
Pela primeira vez, um livro resgatará o calvário do músico. A Atenas, pequena editora do sul de Minas, lança, no próximo dia 19, em São Paulo, "O Crime Contra Tenório - Saga e Martírio de um Gênio do Piano Brasileiro".
A tiragem inicial é modesta: 1.100 exemplares. Também modestas são as pretensões do autor, Frederico Mendonça de Oliveira, 52.
Guitarrista, ele conviveu com Tenorinho no Rio entre 1974 e 1976. Costumava lhe arranjar "bicos" ou, "quando a grana apertava muito", saía à caça de interessados em alugar o piano elétrico alemão do amigo -o mesmo Wurlitzer que acompanhou Vinicius e Toquinho durante a turnê pelo Cone Sul.
"O Crime Contra Tenório", portanto, não é um trabalho metódico e distanciado de pesquisador.
Já na apresentação, Oliveira deixa antever o tom passional que domina todo o volume: "Tenório despontava como um instrumentista soberbo, um músico de concepção encantada, uma figura luminosa. Seu piano era vertical, genial, religioso, sempre viril".
O guitarrista demorou quatro anos para terminar o livro. Escreveu-o como uma missão. "Minha vida perderia o sentido se não desse à dor de Tenório a dimensão que merece", disse à Folha.
Quando o autor se debruça especificamente sobre a detenção e morte do pianista, não acrescenta nada às informações que a imprensa da época divulgou.
Concentra-se, sobretudo, nos testemunhos de Cláudio Vallejos, ex-soldado do Serviço de Inteligência da Marinha argentina que, em 1986, deu um bombástico depoimento à revista "Senhor".
Admitiu que participou da prisão de Tenorinho e que o viu morrer. Tudo o que se sabe, desde então, sobre a via-crúcis do pianista saiu da boca de Vallejos -e o livro não traz vozes alternativas que confirmem ou desmintam a versão do ex-agente.
Mesmo assim, a simples reunião dos fatos narrados pelo argentino se revela muito significativa. Primeiro, por desnudar os abusos que se cometiam nas casernas.
Depois, por demonstrar que o governo militar brasileiro nutria estreitas relações com os golpistas da Argentina.
Vallejos conta que, quando revistaram Tenório Jr. nas ruas de Buenos Aires, os agentes do serviço secreto não acharam nada de suspeito. Mas o levaram preso porque usava "barba, cabelo grande e uma vestimenta mais ou menos hippie" (leia quadro à pág. 4-3).
Tão logo o pianista chegou à cela da Esmar (Escola Mecânica da Armada), as autoridades argentinas contataram o SNI, serviço brasileiro de informações.
Confirmaram, então, que Tenorinho nunca militara politicamente. Só que, raciocinavam os oficiais do Brasil, poderia conhecer "artistas comunistas".
Em comum acordo, os militares dos dois países resolveram mantê-lo preso e o interrogar sob tortura. Nem assim o músico entregou nomes.
A decisão de executá-lo se apoiou no receio de que, em liberdade, Tenório Jr. comprometesse os governos de ambos os lados.
"Já havíamos matado tantas pessoas que uma morte a mais...", declarou Vallejos à "Senhor". "Como dizíamos, 'uma mancha a mais no tigre não altera nada'."

Livro: O Crime Contra Tenório - Saga e Martírio de um Gênio do Piano Brasileiro
Autor: Frederico Mendonça de Oliveira
Editora: Atenas Editorial
Preço: R$ 20 (256 págs.)




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