São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2000


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Sambista, que tinha 98 anos, fez da malandragem uma marca na música popular brasileira
Morre Moreira da Silva, o bamba do breque

Reprodução
O compositor Moreira da Silva. criador do personagem "KId Morengueira", em frente aos Arcos da Lapa, no centro do Rio de Janeiro


AOS 98, MÚSICO ESTAVA HÁ 23 DIAS NA UTI
"Estou de habeas corpus até o ano 2000", brincava Moreira


Maior intérprete do samba-de-breque será cremado amanhã na zona norte do Rio de Janeiro


DA SUCURSAL DO RIO

O compositor Antônio Moreira da Silva, 98, o Kid Morengueira, morreu ontem pela manhã no Rio de Janeiro.
Moreira da Silva, que estava internado há 23 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital dos Servidores do Estado (na praça Mauá, região central do Rio), morreu de falência múltipla dos órgãos às 9h20.
O sambista estava hospitalizado desde o final de abril por causa de um tombo que havia levado em casa.
Enfraquecido, ele havia caído da cama e, com fortes dores, foi levado para a clínica Santa Terezinha, uma clínica particular na Tijuca (zona norte), onde ficou internado por algumas semanas.
Em meados de maio, a família do compositor entrou em contato com a direção do Hospital dos Servidores, pedindo uma vaga para que Moreira fosse transferido. A família do compositor não tinha mais como pagar a internação na clínica particular, conta esta que já chegava a R$ 60 mil (leia texto nesta página).
Na última semana, o estado de saúde de Moreira da Silva se agravou, e o compositor perdeu a consciência.
Pouco tempo após a morte, parentes do sambista começaram a chegar ao Hospital dos Servidores. Até as 13h, o corpo ainda não havia sido liberado do hospital, mas já estava definido que ele seria velado no teatro João Caetano, no centro do Rio.
A família, porém, não havia decidido se o corpo seria enterrado ou cremado, um pedido que o compositor havia feito a seus parentes.
Apesar do pedido feito à família, em entrevista à Folha, em janeiro do ano passado, Moreira disse que, para se prevenir, já havia comprado há alguns anos o próprio túmulo no cemitério do Catumbi (zona norte)
"O verdadeiro malandro não se deixa surpreender pela morte", disse à época. O cemitério fica ao lado do modesto apartamento onde ele morava, no bairro de Catumbi, onde o compositor passou a maior parte da vida. No lugar, "Kid Morengueira" recebia os raros amigos que lhe restaram e de lá saía para homenagens e shows frequentes, até o ano passado, mesmo debilitado fisicamente.

Funcionário público
Os shows que Moreira ainda fazia não eram apenas para o seu prazer: serviam para complementar a pensão a que tinha direito por ter se aposentado como funcionário público estadual, em 1958, após 32 anos de serviço.
O fato de ter trabalhado a vida toda era contraditório com a imagem de malandro que Moreira da Silva criou para si mesmo.
Na verdade, tratava-se de uma estratégia de marketing pessoal. A malandragem, na tradição do Rio antigo, era a arte de viver com o esforço alheio.
Para manter a imagem, o sambista só saía de casa vestido impecavelmente de sapatos brancos, ternos de linho da mesma cor, chapéu de palhinha e camisa de seda laranja.
Em seu último ano de atividade, ele sempre entrava na segunda parte dos shows, que eram abertos pelo amigo e parceiro Reginaldo Bessa.
Na primeira parte, Bessa cantava clássicos do repertório de Moreira da Silva que, em seguida, contava casos de sua vida, durante os breques dos sambas.
O breque, estilo inventado por Moreira da Silva nos anos 30, introduzia no decorrer do samba partes onde os versos eram falados. Ele mesmo via conexões entre sua invenção e as versões norte-americanas mais recentes do rap e do hip hop.
Em 98, o sambista chegou a gravar uma música com Gabriel, O Pensador, um dos expoentes do rap nacional. Do repertório de Gabriel, Moreira da Silva dizia, com ar maroto, gostar "principalmente daquela música que fala em molhar o biscoito".


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