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São Paulo, sábado, 07 de junho de 2003

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LITERATURA

Ex-piloto Martin Drewes narra trajetória em "Sombras da Noite"

Alemão relata a Segunda Guerra vista de um caça

RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Volta e meia surge um livro que, mesmo longe de ser um best-seller, se torna um objeto de culto entre aficionados e especialistas. É o caso das memórias de guerra de um aviador alemão que pilotou um caça noturno e abateu 52 aviões aliados na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), passou por uma fantástica missão no Iraque em 1941 e ajudou a construir Brasília com as imagens que fez de aerofotogrametria.
Martin Drewes viveu experiências únicas e raras. E como várias delas aconteceram depois da guerra na República Federativa do Brasil, para onde se mudou em 1949, o livro editado no ano passado, mas pouquíssimo divulgado, se tornou "cult" entre os brasileiros entusiastas da aviação. No mês passado, o autor, hoje com 84 anos, lançou o livro em São Paulo.
Alguns veteranos da Segunda Guerra só foram escrever depois de sexagenários ou mesmo septuagenários. É o caso agora do piloto Martin Drewes, cujas memórias, publicadas na Alemanha, foram depois traduzidas para o português, embora haja diferenças entre as duas edições -há mais fatos ligados ao Brasil na edição alemã, há mais fatos sobre a guerra na edição brasileira.
A relutância de Drewes em escrever se explica pelo fato de estar vivendo em um país que esteve em guerra com o seu. Mais ainda, pelo fato de nem todos brasileiros entenderem que um alemão entre 39 e 45 não era necessariamente um nazista assassino, mas que poderia ser um soldado como qualquer outro cumprindo seu dever.
Veteranos brasileiros da mais brutal das guerras humanas se entendiam (e se entendem) bem com ele. Por exemplo, Drewes passou boas horas na companhia de Alberto Torres, piloto da FAB morto recentemente que não só comandava o avião que afundou um submarino alemão em julho de 1943 ao largo do Rio de Janeiro como se tornaria depois o aviador que mais missões de combate (99) realizaria com o 1º Grupo de Caça.
A carreira do piloto começou de modo original: ele fazia parte de uma unidade de tanques. Passou à Força Aérea, onde se especializou no caça pesado Me-110. Fez escoltas sobre navios no mar do Norte e foi parar no Iraque em 1941, apoiando o golpe antibritânico no país. Depois do fracasso do mesmo e depois de derrubar o primeiro avião inimigo, ele voltou à Europa, onde se especializou na caça noturna.
Sua função era tentar derrubar os bombardeiros britânicos que atacavam as cidades alemãs à noite, sem distinção entre alvos civis ou militares. A própria cidade era o alvo. O livro relata vários dos combates ou vôos nos quais ele esteve perto de morrer. E pelos quais ganhou uma cobiçadíssima condecoração, a Cruz de Cavaleiro com Folhas de Carvalho.
Drewes aportou no Rio de Janeiro em 1949 e ficou deslumbrado pelas luzes da cidade, pois há anos que não via nada assim. Uma cidade iluminada durante a guerra significava incêndios provocados por bombardeios.
Ele conseguiu ser empregado pelo governo de Goiás como aviador e, ironicamente, pilotou um obsoleto avião de fabricação alemã montado no Brasil, o Focke-Wulf Fw-58B Weihe (o único exemplar sobrevivente no mundo desse modelo de avião pertence ao Museu Aeroespacial, no Rio).
Mas havia quem não gostasse de ver um recente "inimigo" tomando emprego de brasileiros, e Drewes teve de mudar de profissão. Ele casou com uma bela brasileira, Dulce, moradora de Ipanema. E logo a levou para morar no Maranhão, onde gerenciava um fábrica de processamento de babaçu. Viveram várias aventuras na Amazônia, navegando em canoas com o jovem filho Klaus, antes de se mudarem para São Paulo, onde ele trabalhou na Volkswagen, e antes da merecida aposentadoria em Blumenau.


SOMBRAS DA NOITE. Autor: Martin Drewes. Editora: Adler (www.adler-books.com.br). Preço: R$ 40 (250 págs.)


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