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LITERATURA
Ex-piloto Martin Drewes narra trajetória em "Sombras da Noite"
Alemão relata a Segunda Guerra vista de um caça
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Volta e meia surge um livro
que, mesmo longe de ser um best-seller, se torna um objeto de culto
entre aficionados e especialistas. É
o caso das memórias de guerra de
um aviador alemão que pilotou
um caça noturno e abateu 52
aviões aliados na Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), passou por
uma fantástica missão no Iraque
em 1941 e ajudou a construir Brasília com as imagens que fez de aerofotogrametria.
Martin Drewes viveu experiências únicas e raras. E como várias
delas aconteceram depois da
guerra na República Federativa
do Brasil, para onde se mudou em
1949, o livro editado no ano passado, mas pouquíssimo divulgado,
se tornou "cult" entre os brasileiros entusiastas da aviação. No
mês passado, o autor, hoje com 84
anos, lançou o livro em São Paulo.
Alguns veteranos da Segunda
Guerra só foram escrever depois
de sexagenários ou mesmo septuagenários. É o caso agora do piloto Martin Drewes, cujas memórias, publicadas na Alemanha, foram depois traduzidas para o português, embora haja diferenças
entre as duas edições -há mais
fatos ligados ao Brasil na edição
alemã, há mais fatos sobre a guerra na edição brasileira.
A relutância de Drewes em escrever se explica pelo fato de estar
vivendo em um país que esteve
em guerra com o seu. Mais ainda,
pelo fato de nem todos brasileiros
entenderem que um alemão entre
39 e 45 não era necessariamente
um nazista assassino, mas que poderia ser um soldado como qualquer outro cumprindo seu dever.
Veteranos brasileiros da mais
brutal das guerras humanas se entendiam (e se entendem) bem
com ele. Por exemplo, Drewes
passou boas horas na companhia
de Alberto Torres, piloto da FAB
morto recentemente que não só
comandava o avião que afundou
um submarino alemão em julho
de 1943 ao largo do Rio de Janeiro
como se tornaria depois o aviador
que mais missões de combate (99)
realizaria com o 1º Grupo de Caça.
A carreira do piloto começou de
modo original: ele fazia parte de
uma unidade de tanques. Passou
à Força Aérea, onde se especializou no caça pesado Me-110. Fez
escoltas sobre navios no mar do
Norte e foi parar no Iraque em
1941, apoiando o golpe antibritânico no país. Depois do fracasso
do mesmo e depois de derrubar o
primeiro avião inimigo, ele voltou
à Europa, onde se especializou na
caça noturna.
Sua função era tentar derrubar
os bombardeiros britânicos que
atacavam as cidades alemãs à noite, sem distinção entre alvos civis
ou militares. A própria cidade era
o alvo. O livro relata vários dos
combates ou vôos nos quais ele
esteve perto de morrer. E pelos
quais ganhou uma cobiçadíssima
condecoração, a Cruz de Cavaleiro com Folhas de Carvalho.
Drewes aportou no Rio de Janeiro em 1949 e ficou deslumbrado pelas luzes da cidade, pois há
anos que não via nada assim.
Uma cidade iluminada durante a
guerra significava incêndios provocados por bombardeios.
Ele conseguiu ser empregado
pelo governo de Goiás como aviador e, ironicamente, pilotou um
obsoleto avião de fabricação alemã montado no Brasil, o Focke-Wulf Fw-58B Weihe (o único
exemplar sobrevivente no mundo
desse modelo de avião pertence
ao Museu Aeroespacial, no Rio).
Mas havia quem não gostasse
de ver um recente "inimigo" tomando emprego de brasileiros, e
Drewes teve de mudar de profissão. Ele casou com uma bela brasileira, Dulce, moradora de Ipanema. E logo a levou para morar no
Maranhão, onde gerenciava um
fábrica de processamento de babaçu. Viveram várias aventuras
na Amazônia, navegando em canoas com o jovem filho Klaus, antes de se mudarem para São Paulo, onde ele trabalhou na Volkswagen, e antes da merecida aposentadoria em Blumenau.
SOMBRAS DA NOITE. Autor: Martin
Drewes. Editora: Adler (www.adler-books.com.br). Preço: R$ 40 (250 págs.)
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