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"PERGUNTE AO PÓ"
Principal romance do autor ítalo-americano que influenciou a geração beat é relançado no Brasil
Fante navega pela temática do deslocamento
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
A frase está na página 22:
"Desejei mulheres das quais
só os sapatos valiam mais do que
jamais possuí". Esta outra, na 177:
"Meia-noite em Temple Street,
uma lata de maconha entre nós".
São momentos de forte inspiração em "Pergunte ao Pó", romance do americano John Fante que
sai no Brasil em nova tradução.
Lançada nos EUA em 1939,
"Pergunte ao Pó" é a obra fundamental de Fante, um ítalo-americano alcoólatra de produção bissexta. Pouco antes de morrer,
quase desconhecido, Fante (1909-83) experimentou súbita notoriedade. Foi içado do esquecimento
por Charles Bukowski, que assina
a apaixonada introdução de "Pergunte Ao Pó" e convenceu sua
editora, a Black Sparrow, a relançar a obra de Fante nos anos 80.
Bukowski via em Fante um proto-beat, um precursor da literatura de deslocamento e inadequação que mais tarde seria praticada
por Jack Kerouac, Allen Ginsberg
e o próprio Bukowski.
"Pergunte ao Pó" tem como
protagonista Arturo Bandini, escritor de 20 anos que se muda do
Colorado para Los Angeles em
busca de glória literária. Filho de
imigrantes italianos, Bandini é
um alter ego de Fante, um filho de
católicos da Itália que saiu do interior ainda jovem rumo às riquezas do Oeste.
Bandini vive em um hotel barato no centro de Los Angeles. Está
a ponto de ser despejado, sem
muitas opções de renda. Depende
da caridade da mãe, que lhe manda algum dinheiro pelo correio,
ou dos cheques que uma revista
envia quando publica seus contos.
Em um bar mofento, ele conhece a garçonete de origem mexicana Camilla Lopez. Ela e Arturo se
torturam psicologicamente, trocam malcriações, terminam mergulhados em álcool, drogas, violência e loucura.
Narrador na primeira pessoa,
Arturo Bandini deixa-se levar pelo fluxo de consciência, como no
trecho que descreve o terremoto
que atingiu Long Beach em 1933:
"Vi uma mulher presa debaixo do
carro, morta e esmagada, mas estendendo a mão para sinalizar
que ia virar à direita. Vi três homens mortos numa mesa de pôquer. Hellfrick assobiava: Verdade? Verdade? Que pena, que pena.
E será que eu podia lhe emprestar
cinquenta centavos?". Minutos
antes, Arturo tinha perdido a virgindade. Saiu à rua e o chão se
abriu.
Ainda que não seja fácil, a narrativa de "Pergunta ao Pó" nunca
chega ao experimentalismo de
um William Faulkner. Mesmo
quando os pensamentos de Bandini jorram em alta velocidade, o
romance conta uma história linear, sem sinal do dilaceramento
faulkneriano do espaço-tempo.
A tradução mostra-se correta.
Faz boa transposição do inglês de
rua da Los Angeles dos anos 30
para o português brasileiro atual,
sem cair no excesso de gírias ou
vulgaridades. Há deslizes menores, como traduzir para um solene
"tome cuidado" a expressão corriqueira "take care", usada em
despedidas com o significado de
"se cuida", ou, simplesmente, "até
logo".
Sugestão para futuras edições
(caso haja): incluir um mapa simples de Los Angeles, antes do primeiro capítulo, mostrando só as
principais regiões da cidade. Ajudaria a entender a geografia da vida de Bandini -para que lado ficam a praia, o deserto, o centro.
Pergunte ao Pó
Autor: John Fante
Tradução: Roberto Muggiati
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 30 (208 págs.)
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