CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A adaptação de um enorme épico literário para a TV, mesmo quando projetada para a duração mais extensa de uma minissérie, impõe, no mínimo, cortes e reduções. Tal é o mais evidente dos limites de "Os Miseráveis", versão em seis horas do monumento literário de Victor Hugo mais pesado do que um tijolo.
Produzida pela TV francesa e dirigida por Josée Dayan, experiente realizadora desse tipo de adaptação, "Os Miseráveis" lembra muito a safra de novelas baseadas em clássicos literários que proliferaram na televisão brasileira nos anos 70.
Com aquelas compartilha o mesmo tipo de preocupação com a qualidade, visível tanto na primorosa reconstituição de época como nos figurinos, nos cenários e na escolha de um elenco de primeiro time.
E um efeito final de "veja a série e mantenha o livro na estante", solução para preguiçosos que serão satisfeitos em ver o impressionante trabalho histórico e de ideias construído por Victor Hugo ser resumido a duas ou três intrigas principais, todas submetidas a uma eficácia lamuriosa de melodrama.
O foco evidentemente se mantém na saga do ladrão Jean Valjean (Gérard Depardieu), desde a fuga da prisão até as ruas da Paris revoltosa de 1832.
No seu encalço aparecem o inspetor Javert (John Malkovich), policial obcecado em impor a lei ao fugitivo, e o trapaceiro Thénardier (Christian Clavier), vilão que só quer se dar bem à custa dos outros.
Em torno desses núcleos morais orbitam a nobreza dos sentimentos de Fantine (Charlotte Gainsbourg), jovem vítima da ignomínia humana, e sua filha, Cosette, corporificação da pureza e dos bons sentimentos.
O elenco de tipos simbólicos se completa com o bonitinho Marius (Enrico Lo Verso), jovem barão apaixonado, e a cobiçosa Éponine (Asia Argento), que vê no barão a chance de satisfazer seus desejos materiais.
Dayan, pau para toda obra da TV francesa, trata o material com o verniz adquirido em outras adaptações de clássicos: com muita pompa e circunstância e pouca substância.