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[+]crônica
Entre a antropofagia, a língua e a alegria
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Se não realizamos a utopia antropófaga -alegria e
civilidade-, já trilhamos
parte desse caminho na
língua. Os brasileiros, o
angolano Agualusa e o moçambicano Mia Couto, em
Paraty, fazem pensar num
português antropofágico.
Se tivemos a infelicidade da colonização, os portugueses não nos tiraram
o privilégio de termos nos
tornado antropófagos lingüísticos: a vocalidade
brasileira, aberta, oposta à
"consonantalidade" do
português de Portugal; o
"me dá", em vez do triste
"dê-me"; o "com você" no
lugar do chato "vos". Já em
Angola, ouvem-se as sensuais "bubucho", por meu
querido e "kuzukuta", por
confusão.
Em Moçambique, xipoco, xicurumbo, poucominho e alegrias afins. Já em
Portugal, compatível com
a mitologia de sua compreensão literal, "descapotável" não chega aos pés do
charme de um "conversível". Além da tristeza de
"lixívia", "chávena", "peúgas" (em vez das nossas ordinárias "meias").
Sempre achei que a literalidade do português de
Portugal fica aquém das
nossas antropofagias colonizadas: "assassinos", por
exemplo, que vem do árabe "usuários de haxixe".
Agualusa diz que "antes
de Portugal colonizar a
África, a África já tinha colonizado Portugal", referindo-se à presença dos
árabes na península ibérica. Oswald de Andrade
também diz que "antes de
os portugueses descobrirem o Brasil, já tínhamos
descoberto a alegria".
Paraty é uma prova viva
disso. Mas o que eu invejo
mortalmente é o infinitivo
português no lugar do nosso pobre gerúndio: "a falar" ao invés de "falando".
Mas deixa estar, jacaré.
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