São Paulo, sábado, 07 de julho de 2007

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[+]crônica

Entre a antropofagia, a língua e a alegria

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Se não realizamos a utopia antropófaga -alegria e civilidade-, já trilhamos parte desse caminho na língua. Os brasileiros, o angolano Agualusa e o moçambicano Mia Couto, em Paraty, fazem pensar num português antropofágico.
Se tivemos a infelicidade da colonização, os portugueses não nos tiraram o privilégio de termos nos tornado antropófagos lingüísticos: a vocalidade brasileira, aberta, oposta à "consonantalidade" do português de Portugal; o "me dá", em vez do triste "dê-me"; o "com você" no lugar do chato "vos". Já em Angola, ouvem-se as sensuais "bubucho", por meu querido e "kuzukuta", por confusão.
Em Moçambique, xipoco, xicurumbo, poucominho e alegrias afins. Já em Portugal, compatível com a mitologia de sua compreensão literal, "descapotável" não chega aos pés do charme de um "conversível". Além da tristeza de "lixívia", "chávena", "peúgas" (em vez das nossas ordinárias "meias").
Sempre achei que a literalidade do português de Portugal fica aquém das nossas antropofagias colonizadas: "assassinos", por exemplo, que vem do árabe "usuários de haxixe".
Agualusa diz que "antes de Portugal colonizar a África, a África já tinha colonizado Portugal", referindo-se à presença dos árabes na península ibérica. Oswald de Andrade também diz que "antes de os portugueses descobrirem o Brasil, já tínhamos descoberto a alegria".
Paraty é uma prova viva disso. Mas o que eu invejo mortalmente é o infinitivo português no lugar do nosso pobre gerúndio: "a falar" ao invés de "falando". Mas deixa estar, jacaré.


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