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Livros - Crítica/romance
Espanhol segue fórmula do "livro comum"
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um livro como "A Velocidade da Luz", de Javier Cercas, apresenta
um desafio para a crítica. Não
porque ele seja complexo ou inventivo ou obscuro, muito pelo
contrário. Ele é, com uma ou
outra escorregadela, bem escrito, narra uma história interessante, faz com competência a
parte que lhe cabe naquele antigo latifúndio de retratar a
"epopéia burguesa", com o
acréscimo de alguns toques
moderninhos para estar em dia
com as novidades. Mas é, acima
de tudo, um "livro comum", como tantos e tantos outros lançados a cada ano por editoras
ao redor do planeta.
O narrador é um jovem aspirante a escritor que deixa Barcelona para estudar e ensinar
em uma cidade no interior dos
EUA, onde conhece um professor pouquíssimo popular de
quem termina ficando amigo.
Descobre depois que ele lutara no Vietnã e praticara inúmeros crimes de guerra. A vida de
ambos se entrelaça e, anos depois, essa relação se mostra
fundamental para o protagonista. Tem-se, em doses equilibradas nas 204 páginas, drama,
acontecimentos trágicos, um
pouco de romance e sexo, uma
ou outra cena engraçada, as dificuldades do escritor para
criar a sua "obra", a evocação de
fatos históricos "reais", a queda
e a difícil retomada. E, para
quem quiser e precisar, uma série de mensagens a extrair. É a
fórmula usual, aplicada com
correção e cuidado. É a fórmula
do "livro comum". O desafio, a
pergunta que resta, é: o que fazer com ele?
A resposta, óbvia, não impressiona: nada. Textos assim
continuarão a ser produzidos
aos montes e provavelmente lidos também aos montes, senão
não estariam sendo lançados. E
não há qualquer coisa que um
crítico deva fazer a respeito, a
não ser de vez em quando demonstrar um certo cansaço (registre-se que não existe aqui
nenhuma posição elitista, apenas a percepção entristecida,
quem sabe melancólica, de que
o excesso de "livros comuns"
talvez não implique um proporcional surgimento de uma
cota mínima de "livros incomuns", se é que essa categoria
faz algum sentido, e o que esse
excesso pode estar fazendo, ao
contrário, é atrapalhar esse
surgimento).
A sorte de todos -de "A Velocidade...", de Javier Cercas, dos
"livros comuns", dos críticos,
dos "leitores"- é que, como dizia Jorge Luis Borges, "o esquecimento é uma das formas de
memória, seu vago porão".
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP
A VELOCIDADE DA LUZ
Autor: Javier Cercas
Tradução: Antonio Fernando Borges
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 34,90 (208 págs.)
Avaliação: regular
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