São Paulo, sábado, 07 de julho de 2007

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Livros - Crítica/romance

Espanhol segue fórmula do "livro comum"

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um livro como "A Velocidade da Luz", de Javier Cercas, apresenta um desafio para a crítica. Não porque ele seja complexo ou inventivo ou obscuro, muito pelo contrário. Ele é, com uma ou outra escorregadela, bem escrito, narra uma história interessante, faz com competência a parte que lhe cabe naquele antigo latifúndio de retratar a "epopéia burguesa", com o acréscimo de alguns toques moderninhos para estar em dia com as novidades. Mas é, acima de tudo, um "livro comum", como tantos e tantos outros lançados a cada ano por editoras ao redor do planeta.
O narrador é um jovem aspirante a escritor que deixa Barcelona para estudar e ensinar em uma cidade no interior dos EUA, onde conhece um professor pouquíssimo popular de quem termina ficando amigo.
Descobre depois que ele lutara no Vietnã e praticara inúmeros crimes de guerra. A vida de ambos se entrelaça e, anos depois, essa relação se mostra fundamental para o protagonista. Tem-se, em doses equilibradas nas 204 páginas, drama, acontecimentos trágicos, um pouco de romance e sexo, uma ou outra cena engraçada, as dificuldades do escritor para criar a sua "obra", a evocação de fatos históricos "reais", a queda e a difícil retomada. E, para quem quiser e precisar, uma série de mensagens a extrair. É a fórmula usual, aplicada com correção e cuidado. É a fórmula do "livro comum". O desafio, a pergunta que resta, é: o que fazer com ele?
A resposta, óbvia, não impressiona: nada. Textos assim continuarão a ser produzidos aos montes e provavelmente lidos também aos montes, senão não estariam sendo lançados. E não há qualquer coisa que um crítico deva fazer a respeito, a não ser de vez em quando demonstrar um certo cansaço (registre-se que não existe aqui nenhuma posição elitista, apenas a percepção entristecida, quem sabe melancólica, de que o excesso de "livros comuns" talvez não implique um proporcional surgimento de uma cota mínima de "livros incomuns", se é que essa categoria faz algum sentido, e o que esse excesso pode estar fazendo, ao contrário, é atrapalhar esse surgimento).
A sorte de todos -de "A Velocidade...", de Javier Cercas, dos "livros comuns", dos críticos, dos "leitores"- é que, como dizia Jorge Luis Borges, "o esquecimento é uma das formas de memória, seu vago porão".


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

A VELOCIDADE DA LUZ


Autor: Javier Cercas
Tradução: Antonio Fernando Borges
Editora: Relume Dumará
Quanto: R$ 34,90 (208 págs.)
Avaliação: regular



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