São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

JOÃO DONATO


Não agüento mais falar de bossa nova

Músico, que "gosta mesmo é de jazz", ganha show-homenagem com orquestra e cantores em SP

Carol Guedes/Folha Imagem
Aos 73 anos, o pianista acreano entrará no palco apenas para as últimas cinco músicas do show "João Donato e a Nova Geração"

JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Diferentemente do que o nome do espetáculo pode indicar, "João Donato e a Nova Geração" não é um show de Donato com participação de artistas da nova geração.
Quem permanecerá no palco do Auditório Ibirapuera amanhã e quarta-feira da primeira à 22ª música é a Orquestra Ouro Negro, conhecida por belíssimas homenagens a Moacir Santos (1924-2006).
O conjunto de 16 músicos dirigido pelo violonista Mario Adnet acompanhará Bebel Gilberto, Adriana Calcanhotto, Fernanda Takai, Marcelo Camelo, Roberta Sá e Marcelo D2 em temas de Donato. O pianista acreano entrará em cena apenas para os últimos cinco números.
Trata-se, portanto, de um show-homenagem, não de um show de Donato. Patrocinadas pelo banco Itaú, as apresentações no Ibirapuera fazem parte de série de espetáculos dedicados à bossa nova -que seguem em agosto com shows de João Gilberto e de Caetano Veloso e Roberto Carlos, interpretando Tom Jobim.
Só que João Donato de Oliveira Neto, 73, não se sente confortável quando associado à bossa nova. Ele participou da gênese do estilo musical, explorou suas características, mas não ficou restrito a elas. "O trabalho do Donato é muito diferente, muito particular, muito assinado", diz Adnet, que definiu o roteiro do show com o produtor e colunista da Folha Nelson Motta.
Em visita à casa de Donato, Adnet descobriu que um dos discos que mais influenciaram o pianista é "Gerry Mulligan and His Ten-tette", que o saxofonista americano lançou em 1953, e acabou usando a obra como inspiração para criar os arranjos do espetáculo. Adnet ainda escreveu um tema de abertura, no qual cita as músicas "Café com Pão", "Bananeira" e "Amazonas". No restaurante do Itaú Cultural, em São Paulo, Donato falou sobre sua relação com a bossa, com seu cancioneiro e até com a morte. Leia os melhores momentos.

 

FOLHA - Neste ano só se fala em bossa nova, não?
JOÃO DONATO
- Só se fala nisso. Eu não agüento mais falar de bossa nova. Eu gosto é de jazz!

FOLHA - Há quem lamente que você tenha ficado em segundo plano na história da bossa nova. Mas não seria errado reduzir você a um "músico de bossa nova"?
DONATO
- Não tem segundo plano nem primeiro. O meu espaço é tão antes, durante e depois que eu nem sei o que é bossa nova. Quando estou irritado, respondo que não sei o que é bossa nova. Esse rótulo é muito pouco para o que quero.

FOLHA - Qual você acha que foi sua grande contribuição para o começo da bossa?
DONATO
- Eu contribuí em não ser aceito na maioria dos lugares. Ninguém me queria porque ninguém me entendia. Ninguém achava aquilo bom. Minha contribuição foi de ter batido de porta em porta e recebido vários nãos. Eu cansei de ser diferente sem querer, sem forçar nenhuma barra.

FOLHA - Qual é a canção mais bossa nova do seu repertório?
DONATO
- "Minha Saudade"? Ou "Lugar Comum"? Eu não sei o que é bossa nova. O Almir Chediak (1950-2003) fez o meu songbook e não sabia que várias canções que ele conhecia eram minhas. Depois ele me disse que eu só tinha uma música. E eu: "imagina, tenho mais de 200! Por que o songbook do Chico Buarque tem cinco volumes e o meu só um?". E ele insistia que eu só tinha uma música, que eu fazia uma música só o tempo todo. Que eu só mudava o nome e a letra, mas minha música era uma só.

FOLHA - Você concordou com ele?
DONATO
- Agora eu concordo. Eu não tenho tantas músicas assim. Tenho uma só, com vários apelidos.

FOLHA - Recentemente você está sendo muito requisitado, não?
DONATO
- Com esse advento do cinqüentenário da bossa nova, não param de me ligar. Fico sem saber para onde ir. Venho para São Paulo, falo um pouquinho sobre o assunto e volto para o Rio no mesmo dia. Como se eu fosse o Ministro da Cultura, o embaixador da bossa nova, acompanhado de uma comitiva. É... desagradável.

FOLHA - Se tivessem dado valor, talvez você tivesse ficado mais preso à bossa nova?
DONATO
- O quê? Eu tive uma liberdade total de escolher o rumo. Em vez de dizer que faço parte dessa equipe, tem horas que me nego a dizer que sou da bossa nova. Me tira desse movimento aí, rapaz! É pouco, eu quero é mais.

FOLHA - O repertório atual do João Gilberto, por exemplo, parece ter as mesmas coisas dos primórdios dele.
DONATO
- Ele está fiel aos princípios. E eu não tenho princípio nenhum. Nem princípio, nem meio, nem fim. Sou mais ou menos eterno.

FOLHA - Você sente que nos últimos anos houve um interesse maior dos mais jovens pela sua música?
DONATO
- Não sei se pela minha música. Eles estão mais esclarecidos. Sabem "quem é quem", sem você ter de botar isso na capa do disco. Eles notam quem é o cara.

FOLHA - Com esses shows-homenagem você se põe a pensar na morte também?
DONATO
- Não penso em nada. Eu vivo morto o tempo todo. Já morri e ninguém sabe. É tudo uma ilusão. Você está aqui conversando comigo e eu já passei há muito tempo. A morte é uma brincadeira onde tudo se resolve. Acabou o ciúme, a fome, a sede, o sofrimento, a inveja, a luxúria. Sabe o que restou? Restou o amor, que é a tradução da música.

JOÃO DONATO E A NOVA GERAÇÃO
Quando: ter., às 21h; qua., às 17h
Onde: Auditório Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 2, tel. 0/ xx/11/5908-4299; livre)
Quanto: R$ 30 e R$ 130 (ter.); grátis (qua.)



Texto Anterior: Projeto ainda terá shows históricos
Próximo Texto: Ele por elas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.