São Paulo, terça, 7 de julho de 1998

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DISCO - LANÇAMENTOS
Sonic Youth vem reafirmar a seriedade do pop

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Com o atraso de quase dois meses, chega agora a versão brasileira de "A Thousand Leaves", novo álbum de uma das mais importantes bandas underground norte-americanas, o Sonic Youth.
A trajetória é de uma banda muito, muito áspera -o SY deve ficar guardado na posteridade do rock como sinônimo de barulho, distorção, dissonância.
Isso não muda em "A Thousand Leaves", mas o clichê encobre um dado fundamental nessa mesma trajetória: Sonic Youth tem se tornado muito doce com o passar dos anos -e já são 15, desde o LP de estréia. Metade das canções do novo CD expande a leveza atormentada de "The Diamond Sea", faixa que fechava o álbum anterior, "Washing Machine" (95).
É, assim, um paradoxo entre o barulho extremo e a doçura extrema, e um monumento à relevância, um oásis no deserto de irrelevância que toma o cenário rock.
Começa com "Contre le Sexisme". A letra nem diz respeito ao que o título promete -não se detrata o sexismo explicitamente. Mas o manifesto está lançado. SY habita o rock e seu universo sexista, mas admira à distância rock e sexismo. Música para adultos.
Brincando com o tema, fazem aquele jogo de sempre. As vozes de Kim Gordon (estridente, quase irritante) e de Thurston Moore (nunca menos que suave) se alternam e invertem sinais: à mulher cabe a braveza, a agressividade; ao homem, a voz maternal de ninar.
Como de hábito também transparece a infinita influência que a banda-mito de todas as bandas, Velvet Underground, exerce sobre o SY. Nunca foi tão descarado. "Sunday" é um decalque apaixonado, uma declaração de amor à banda de Lou Reed no final dos 60.
De cara, evoca "Sunday Morning" (67), a primeira música do primeiro disco do Velvet. Lá, era loa à hora de chegar em casa, após muita detonação na madrugada de sábado. Aqui, há o tédio do fim de século. "Domingo vai, domingo vem/domingo sempre parece passar tão devagar para mim", lamenta Thurston, para concluir: "O domingo nunca acaba".
Versos como "here she comes again" ou "'a perfect ending for a perfect day", também, são adaptações deliberadas de músicas do Velvet e de Lou solo.
O referencial pop não se esgota aí, entretanto. Há em "A Thousand Leaves" baladas mortíferas como a sombria "Hoarfrost" (que remete nitidamente ao Joy Division), "Hits of Sunshine" (dedicada ao poeta beat Allen Ginsberg), a dulcíssima "Snare, Girl" e "Karen Koltrane".
Esta última é outro capítulo à parte. Trata-se, provavelmente (embora a banda despiste), de mais um casamento maluco promovido pelo SY, o do jazzman ultraelegante John Coltrane com a extrakitsch Karen Carpenter, do duo brega Carpenters.
Nada de novo. SY, que em 88 virou Ciccone Youth para cantar e/ou parodiar Madonna, já cantou um réquiem a Karen ("Tunic", de "Goo", 90) e gravou, em 94, a mais sofisticada e comovente cover de Carpenters ("Superstar").
Aí já diziam isto: música pop é algo muito sério. Disseram mais uma vez, ou melhor, mais 11. "A Thousand Leaves" dá 11 razões para um cidadão de 1998 ficar feliz com a existência do rock'n'roll.

Disco: A Thousand Leaves Banda: Sonic Youth Lançamento: Universal Quanto: R$ 18, em média


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