São Paulo, terça-feira, 07 de agosto de 2001

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MÚSICA

Britânico se apresenta amanhã em SP na terceira edição da série Diners

Saxofone de Courtney Pine harmoniza jazz e hip hop

EDSON FRANCO
EDITOR DE IMÓVEIS E CONSTRUÇÃO

Responsável pelo pontapé inicial na terceira edição da série Diners Club Jazz Nights, o saxofonista britânico Courtney Pine, 37, leva amanhã ao palco do Bourbon Street sua mistura de jazz e hip hop, um verdadeiro pontapé na tradição. Ele traz debaixo do braço o CD "Back in the Day", lançado no ano passado.
Esse álbum é o exemplo mais recente da sinuca em que ele está metido: sua música tem o suficiente número de batidas por minuto para encher a pista de clubbers, que ficam incomodados com as explorações sonoras do saxofonista; por outro lado, puristas reconhecem o talento de Pine, mas torcem o nariz para a sua ousadia rítmica e tecnológica.
Ousadia que ele controlará um pouco durante sua passagem pelo Brasil. Em vez do batalhão de DJs, cantores e técnicos do CD, ele trará uma banda formada por músicos de carne e osso.
Mas que ninguém espere uma apresentação comportada. As razões para a inquietude de Pine vêm de muito longe. Jamaicanos, seus pais migraram para o Reino Unido logo depois da Segunda Guerra, atraídos pelos trabalhos considerados pesados demais pelos súditos da rainha Elizabeth.
Acomodados em casas bombardeadas pelos alemães, esses imigrantes eram hostilizados. Nem os músicos escaparam. A principal sequela disso é que, quando Pine apareceu, em 1986, o mercado para músicos de jazz era dominado por brancos.
Mas logo ele lançou seu primeiro álbum, "Journey to the Urge Within", e cometeu a proeza de colocar, pela primeira vez na história, um disco de jazz entre os top 40 nas paradas britânicas.
Seguiram-se vários álbuns em que Pine provou ser capaz de tocar como o também saxofonista John Coltrane (1926-1967). Poderia ganhar a vida fazendo isso. Mas não, ele resolveu ser Courtney Pine e tentar atualizar o jazz.
O saxofonista falou à Folha, por telefone, de sua casa em Londres. Na entrevista a seguir, ele parece determinado a continuar na sua rota, mesmo com a perseguição dos críticos mais ortodoxos e a dificuldade de conseguir ter suas músicas tocadas nas rádios do Reino Unido.

Folha - Você diz que seu mais recente CD, "Back in the Day", é puro anos 90, mas tem sua essência nos 70. Como isso funciona?
Courtney Pine -
Os anos 60 e 70 entram com o manancial de batidas. As letras também têm inspiração no passado. Depois, eu uso a tecnologia dos computadores para atualizar as sonoridades.

Folha - E o seu fraseado no saxofone? Também vem do passado?
Pine
- Aí já estamos entrando em outra década. As melodias que eu toco refletem o presente. Tenho muita dificuldade em tocar num estilo retrô.

Folha - Com as misturas que você faz, sua música vai além do mercado de jazz. Que tipo de público vai aos seus shows no Reino Unido?
Pine
- Vejo desde pessoas com 60 anos que vão para dançar até garotos de oito que já gostam de jazz. Tem de tudo, asiáticos, africanos e muitos europeus brancos.

Folha - E a postura deles é contemplativa, como num show de jazz tradicional?
Pine
- No começo, sim. Durante as duas primeiras músicas, eles permanecem sentados. Depois, alguns tomam coragem e vão para a pista.

Folha - Seu último CD é cheio de vozes, intervenções de DJs e samplers. Que tipo de banda você está trazendo ao Brasil?
Pine
- Estou levando um quinteto acústico, com um trombonista, um pianista, um guitarrista, um baixista e um percussionista. Além disso, também estará no palco um sequenciador, para disparar batidas pré-gravadas de hip hop e drum and bass.

Folha - Não incomoda o fato de alguns críticos rotularem você como um saxofonista talentoso, mas infeliz nas escolhas estilísticas?
Pine
- Eu acho que a ira dos críticos mais velhos com a minha música acontece porque eles não conseguem relacioná-la como nenhuma coisa feita no passado. Certa vez, um crítico americano escreveu que gostou da minha versão de "Don't Explain", mas que eu precisava me livrar do DJ.

Folha - Durante boa parte da sua carreira, você foi comparado com John Coltrane. Isso o motivou a abandonar o jazz mais ortodoxo?
Pine
- Sim. Aqui na Inglaterra não nos conformamos em ser um ótimo número dois. Nos EUA, acho que os músicos podem se orgulhar de ser o décimo melhor Coltrane do mundo. Do meu lado, eu só me preocupo em ser o melhor Courtney Pine que conseguir. É isso. Comecei a redirecionar minha carreira quando passei a ser eu mesmo musicalmente.

Folha - Sua música tem o poder de entreter e enervar tanto fãs de jazz como de hip hop. Quais rádios tocam seus discos?
Pine
- Em geral, rádios com a programação voltada para a música negra, que não são muitas. Um exemplo é a Kiss FM. Há uma outra, a Jazz FM, que só toca músicas suaves. Nela, eu tenho conseguido encaixar as músicas que gravo com cantores.

Folha - Além do seu amor por reggae, que outras heranças musicais seus pais jamaicanos deixaram?
Pine
- Com eles, conheci o aspecto funcional da música e como as canções podem refletir o estágio atual de nossas vidas. Eles escutavam tipos de música específicos para dançar e para relaxar. Acima de tudo, eles me ensinaram que a música pode ser muito mais do que uma série de exercícios, escalas e acordes.

Folha - Você costuma fazer pesquisas musicais quando visita países como o Brasil?
Pine
- Com certeza. Nessa minha próxima visita, pretendo comprar um berimbau. Quando estive aí pela primeira vez [em 1989, durante o Free Jazz Festival", aprendi muito conversando com músicos e ouvindo as rádios. O Brasil é ioruba, um lugar perfeito para pesquisas musicais.

Folha - Quando você começou, a vida dos jazzistas negros na Inglaterra não era das mais fáceis. Como está agora?
Pine
- O problema maior é que não havia um elo entre a minha geração e a dos músicos de origem caribenha que tocavam jazz por aqui nos anos 60. Cansei de ser proibido de participar de jam sessions. Em algumas delas, quando eu subia no palco, o pessoal da casa apagava as luzes e dava a noite por encerrada.
Hoje, a situação não é tão ruim. Já é possível ver jovens talentos negros assinando bons contratos com gravadoras. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.


COURTNEY PINE - show do saxofonista britânico.
Onde: Bourbon Street (r. dos Chanés, 127, SP, tel. 0/xx/11/5561-1643).
Quando: amanhã, às 22h30.
Quanto: de R$ 55 a R$ 95.



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