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MÚSICA
Britânico se apresenta amanhã em SP na terceira edição da série Diners
Saxofone de Courtney Pine harmoniza jazz e hip hop
EDSON FRANCO
EDITOR DE IMÓVEIS E CONSTRUÇÃO
Responsável pelo pontapé inicial na terceira edição da série Diners Club Jazz Nights, o saxofonista britânico Courtney Pine, 37,
leva amanhã ao palco do Bourbon
Street sua mistura de jazz e hip
hop, um verdadeiro pontapé na
tradição. Ele traz debaixo do braço o CD "Back in the Day", lançado no ano passado.
Esse álbum é o exemplo mais recente da sinuca em que ele está
metido: sua música tem o suficiente número de batidas por minuto para encher a pista de clubbers, que ficam incomodados
com as explorações sonoras do
saxofonista; por outro lado, puristas reconhecem o talento de Pine,
mas torcem o nariz para a sua ousadia rítmica e tecnológica.
Ousadia que ele controlará um
pouco durante sua passagem pelo
Brasil. Em vez do batalhão de DJs,
cantores e técnicos do CD, ele trará uma banda formada por músicos de carne e osso.
Mas que ninguém espere uma
apresentação comportada. As razões para a inquietude de Pine
vêm de muito longe. Jamaicanos,
seus pais migraram para o Reino
Unido logo depois da Segunda
Guerra, atraídos pelos trabalhos
considerados pesados demais pelos súditos da rainha Elizabeth.
Acomodados em casas bombardeadas pelos alemães, esses
imigrantes eram hostilizados.
Nem os músicos escaparam. A
principal sequela disso é que,
quando Pine apareceu, em 1986, o
mercado para músicos de jazz era
dominado por brancos.
Mas logo ele lançou seu primeiro álbum, "Journey to the Urge
Within", e cometeu a proeza de
colocar, pela primeira vez na história, um disco de jazz entre os
top 40 nas paradas britânicas.
Seguiram-se vários álbuns em
que Pine provou ser capaz de tocar como o também saxofonista
John Coltrane (1926-1967). Poderia ganhar a vida fazendo isso.
Mas não, ele resolveu ser Courtney Pine e tentar atualizar o jazz.
O saxofonista falou à Folha, por
telefone, de sua casa em Londres.
Na entrevista a seguir, ele parece
determinado a continuar na sua
rota, mesmo com a perseguição
dos críticos mais ortodoxos e a dificuldade de conseguir ter suas
músicas tocadas nas rádios do
Reino Unido.
Folha - Você diz que seu mais recente CD, "Back in the Day", é puro
anos 90, mas tem sua essência nos
70. Como isso funciona?
Courtney Pine - Os anos 60 e 70
entram com o manancial de batidas. As letras também têm inspiração no passado. Depois, eu uso
a tecnologia dos computadores
para atualizar as sonoridades.
Folha - E o seu fraseado no saxofone? Também vem do passado?
Pine - Aí já estamos entrando
em outra década. As melodias que
eu toco refletem o presente. Tenho muita dificuldade em tocar
num estilo retrô.
Folha - Com as misturas que você
faz, sua música vai além do mercado de jazz. Que tipo de público vai
aos seus shows no Reino Unido?
Pine - Vejo desde pessoas com
60 anos que vão para dançar até
garotos de oito que já gostam de
jazz. Tem de tudo, asiáticos, africanos e muitos europeus brancos.
Folha - E a postura deles é contemplativa, como num show de
jazz tradicional?
Pine - No começo, sim. Durante
as duas primeiras músicas, eles
permanecem sentados. Depois,
alguns tomam coragem e vão para a pista.
Folha - Seu último CD é cheio de
vozes, intervenções de DJs e samplers. Que tipo de banda você está
trazendo ao Brasil?
Pine - Estou levando um quinteto acústico, com um trombonista,
um pianista, um guitarrista, um
baixista e um percussionista.
Além disso, também estará no
palco um sequenciador, para disparar batidas pré-gravadas de hip
hop e drum and bass.
Folha - Não incomoda o fato de
alguns críticos rotularem você como um saxofonista talentoso, mas
infeliz nas escolhas estilísticas?
Pine - Eu acho que a ira dos críticos mais velhos com a minha música acontece porque eles não
conseguem relacioná-la como nenhuma coisa feita no passado.
Certa vez, um crítico americano
escreveu que gostou da minha
versão de "Don't Explain", mas
que eu precisava me livrar do DJ.
Folha - Durante boa parte da sua
carreira, você foi comparado com
John Coltrane. Isso o motivou a
abandonar o jazz mais ortodoxo?
Pine - Sim. Aqui na Inglaterra
não nos conformamos em ser um
ótimo número dois. Nos EUA,
acho que os músicos podem se orgulhar de ser o décimo melhor
Coltrane do mundo. Do meu lado, eu só me preocupo em ser o
melhor Courtney Pine que conseguir. É isso. Comecei a redirecionar minha carreira quando passei
a ser eu mesmo musicalmente.
Folha - Sua música tem o poder
de entreter e enervar tanto fãs de
jazz como de hip hop. Quais rádios
tocam seus discos?
Pine - Em geral, rádios com a
programação voltada para a música negra, que não são muitas.
Um exemplo é a Kiss FM. Há uma
outra, a Jazz FM, que só toca músicas suaves. Nela, eu tenho conseguido encaixar as músicas que
gravo com cantores.
Folha - Além do seu amor por reggae, que outras heranças musicais
seus pais jamaicanos deixaram?
Pine - Com eles, conheci o aspecto funcional da música e como
as canções podem refletir o estágio atual de nossas vidas. Eles escutavam tipos de música específicos para dançar e para relaxar.
Acima de tudo, eles me ensinaram que a música pode ser muito
mais do que uma série de exercícios, escalas e acordes.
Folha - Você costuma fazer pesquisas musicais quando visita países como o Brasil?
Pine - Com certeza. Nessa minha próxima visita, pretendo
comprar um berimbau. Quando
estive aí pela primeira vez [em
1989, durante o Free Jazz Festival",
aprendi muito conversando com
músicos e ouvindo as rádios. O
Brasil é ioruba, um lugar perfeito
para pesquisas musicais.
Folha - Quando você começou, a
vida dos jazzistas negros na Inglaterra não era das mais fáceis. Como
está agora?
Pine - O problema maior é que
não havia um elo entre a minha
geração e a dos músicos de origem caribenha que tocavam jazz
por aqui nos anos 60. Cansei de
ser proibido de participar de jam
sessions. Em algumas delas,
quando eu subia no palco, o pessoal da casa apagava as luzes e dava a noite por encerrada.
Hoje, a situação não é tão ruim.
Já é possível ver jovens talentos
negros assinando bons contratos
com gravadoras. Mas ainda há
um longo caminho a percorrer.
COURTNEY PINE - show do saxofonista
britânico.
Onde: Bourbon Street (r. dos
Chanés, 127, SP, tel. 0/xx/11/5561-1643).
Quando: amanhã, às 22h30.
Quanto: de R$ 55 a R$ 95.
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