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São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2003

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TEATRO

Tchecov dilacerado

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Diogo Vilela e Bel Kutner durante ensaio do espetáculo "Tio Vânia", do dramaturgo russo Anton Tchecov



Diogo Vilela e Débora Bloch interpretam texto do autor russo sobre o fracasso de um homem


PEDRO IVO DUBRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Formado em medicina, Anton Tchecov (1860-1904) passou à posteridade por dissecar o homem numa mesa de operação chamada palco.
"Tio Vânia" (1897), uma das mais aviadas receitas do dramaturgo russo, não nega a procedência, empreendendo a análise anatômica de um irremediável fracassado. E, depois de uma temporada carioca, entra novamente em cartaz, desta vez em São Paulo (leia mais no texto abaixo).
Trata-se do primeiro Tchecov de Diogo Vilela, 45, e Débora Bloch, 40, que encabeçam o elenco e se responsabilizam pela produção. Aderbal Freire-Filho, 62, das recentes "A Prova" e "A Peça sobre o Bebê", outro debutante tchecoviano, assina a direção.
Ivan Petrovitch Voinítsky, o quarentão Vânia, encarnado por Vilela, vive nas terras de Serebriakov, que foi casado com a irmã da personagem-título. Professor aposentado e doente, o proprietário, após enviuvar, casa-se novamente, com uma mulher mais nova, a bonita Helena (Bloch), e volta a fixar residência no campo.
De temperamento difícil, arrogante e mentiroso, o acadêmico pouco a pouco faz com que a imagem de devoção nutrida por Vânia em torno de sua figura se esboroe. O protagonista então percebe quantos anos de sua vida dissipou comandando a fazenda e enriquecendo um homem que não merecia. Mais: ele se sente atraído pela beleza proibitiva da comprometida Helena.
A constatação do fracasso demasiadamente humano de Tio Vânia é o que mais inquieta o seu intérprete. "Tchecov mostra a essência de coisas com as quais não queremos conviver. Ele pede a minha dor, meu olhar para o próximo", afirma o ator.
Para Bloch, atriz associada quase instantaneamente à comédia, o russo lhe exige um exercício denso e mais voltado ao drama.
"Gosto de fazer comédia, mas, até por isso, quis fazer um Tchecov, não seria interessante fazer uma comédia agora. Tenho um lado mais reflexivo, que talvez não apareça tanto."
Ela conta que a idéia de encenar Anton Tchecov com Diogo Vilela partiu de um encontro fortuito, num avião. "A gente se encontrou numa conexão de vôos. Na época, eu estava pensando em fazer um grande texto. Houve essa coincidência, disse a ele as minhas intenções, e duas semanas depois ele me sugeriu "Tio Vânia"."
Débora Bloch chegou a cogitar a sua participação numa outra montagem do texto, cinco anos atrás, mas estava grávida e foi impossível encampá-la. E a realização do espetáculo, aliás, também acabou não acontecendo.
Apesar de terem contracenado em programas televisivos e integrado uma mesma peça, formada por monólogos, os dois atores e produtores, até a iniciativa presente, nunca haviam ocupado a cena teatral juntos.

Vivacidade
Freire-Filho define como um dos pontos basais da direção a possibilidade de auxiliar os atores na compreensão do jogo proposto pelo dramaturgo.
"É o que me desafia. É possível não perder essa riqueza de personagens, de personagens que não dialogam, mas monologam?"
Para ele, o texto aborda questões que ainda mantêm atualidade: a ecologia -uma das personagens defende a causa- e menções à especulação imobiliária.
Entediadas, perplexas, presas a um fim de era em que parece haver a intuição de que algo está por vir (20 anos depois aconteceria a Revolução Russa), as criaturas tchecovianas são muitas vezes vertidas para o palco em versões que enfatizam pausas hieráticas e atmosferas penumbrosas.
"Tentei passar por cima do pó da tradição. Tchecov dizia escrever comédias. Busquei referências russas, o que vejo nos russos é que há sangue quente, não francês. O vigor, esse temperamento nós, brasileiros, entendemos. Fiz isso para romper com um certo tom grave, que soa às vezes literário."
"Tio Vânia" tem cenário de Daniela Thomas, figurinos de Marcelo Pies e iluminação de Maneco Quinderé. Millôr Fernandes traduziu a obra.

TIO VÂNIA. Texto: Anton Tchecov. Direção: Aderbal Freire-Filho. Com: Diogo Vilela, Débora Bloch, Luciano Chirolli, Bel Kutner, Suzana Faini, Alby Ramos, Rogério Fróes e Ida Gomes. Onde: teatro Faap (r . Alagoas, 903, SP, tel. 0/xx/11/3662-7233). Quando: estréia amanhã, às 21h; sex. e sáb., às 21h, e dom., às 18h; até 28/9. 130 min. Quanto: R$ 40 (sex.), R$ 45 (dom.) e R$ 50 (sáb.). Patrocinador: Embratel.


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