São Paulo, sexta-feira, 07 de setembro de 2001

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CRÍTICA

Filme é parábola sobre racismo

BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

"Concorrência Desleal" é um filme narrado à maneira de uma parábola. Do jeito que as coisas se anunciam, é de supor que haverá uma mensagem ao final da disputa que dois comerciantes de uma rua de Roma travam para atrair a clientela, no ano de 1938.
Além de vizinhos de loja, os dois são vizinhos de apartamento, moram com as respectivas famílias no mesmo prédio. Um é um tradicional alfaiate, que preza a roupa sob medida, a elegância e a qualidade. O outro é um lojista de confecção, mais popular, mais moderno e mais arrivista, adepto de táticas bem menos elegantes para aumentar as suas vendas.
Tudo se passa sob o avanço do regime fascista na Itália. E, sendo o filme construído como uma parábola, paira desde o início a dúvida sobre que relação poderá haver entre fascismo e mercado, representado pela disputa comercial entre os dois lojistas.
A resposta vem quando, exasperada e inadvertidamente, o alfaiate termina por apelar para o racismo. Durante uma briga mais inflamada com o vizinho, no meio da rua e na falta de argumentos, lança mão do preconceito: "Um judeu será sempre um judeu" e logo compreende as consequências (e se arrepende) do que acabou de dizer ao colega.
Acontece que os laços entre as duas famílias são mais intricados do que uma simples disputa comercial pode prever. O filho caçula do alfaiate é, além de narrador, o maior amigo do filho do lojista; o filho adolescente do alfaiate está apaixonado pela filha do lojista e o irmão do alfaiate é um professor antifascista convicto.
Quando as coisas começam a ficar sérias, ao perceber o perigo de se deixar enredar pelo preconceito na sua rivalidade comercial, o alfaiate não só se aproxima do lojista judeu, mas deixa de ser um cidadão complacente com o estado das coisas para se tornar um inimigo atento da intolerância.
A idéia da tomada de consciência do fascismo por um cidadão comum nas suas relações cotidianas, graças a um contato mais íntimo com um vizinho que se torna vítima do regime, já tinha sido tema de um filme anterior de Scola, "Um Dia Muito Especial".
Aqui essa relação é mais prosaica -menos espetacular e dramática. Como num filme dos anos 30 ou 40, não existe nada além da rua construída em estúdio, como um cenário baseado num quadro de Balthus. Nada do que fica além do pequeno universo cotidiano e aparentemente tranquilo (o terror, os campos de extermínio etc.) pode ser visto.
E é assim que Scola, cineasta de estúdios e ambientes fechados, representa o preconceito por uma alegoria cenográfica: ele é gerado pela inconsequência tranquila dos que não vêem, além dos limites da sua vida cotidiana, os efeitos das suas próprias ações.

Concorrência Desleal
Concorrenza Sleale
   
Produção: Itália, 2000
Direção: Ettore Scola
Com: Diego Abatantuono, Sergio Castellito, Gérard Depardieu
Onde: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Cinearte e circuito



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