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CRÍTICA
Filme é parábola sobre racismo
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
"Concorrência Desleal" é
um filme narrado à maneira de uma parábola. Do jeito
que as coisas se anunciam, é de
supor que haverá uma mensagem
ao final da disputa que dois comerciantes de uma rua de Roma
travam para atrair a clientela, no
ano de 1938.
Além de vizinhos de loja, os dois
são vizinhos de apartamento, moram com as respectivas famílias
no mesmo prédio. Um é um tradicional alfaiate, que preza a roupa sob medida, a elegância e a
qualidade. O outro é um lojista de
confecção, mais popular, mais
moderno e mais arrivista, adepto
de táticas bem menos elegantes
para aumentar as suas vendas.
Tudo se passa sob o avanço do
regime fascista na Itália. E, sendo
o filme construído como uma parábola, paira desde o início a dúvida sobre que relação poderá haver
entre fascismo e mercado, representado pela disputa comercial
entre os dois lojistas.
A resposta vem quando, exasperada e inadvertidamente, o alfaiate termina por apelar para o
racismo. Durante uma briga mais
inflamada com o vizinho, no
meio da rua e na falta de argumentos, lança mão do preconceito: "Um judeu será sempre um judeu" e logo compreende as consequências (e se arrepende) do que
acabou de dizer ao colega.
Acontece que os laços entre as
duas famílias são mais intricados
do que uma simples disputa comercial pode prever. O filho caçula do alfaiate é, além de narrador,
o maior amigo do filho do lojista;
o filho adolescente do alfaiate está
apaixonado pela filha do lojista e
o irmão do alfaiate é um professor
antifascista convicto.
Quando as coisas começam a ficar sérias, ao perceber o perigo de
se deixar enredar pelo preconceito na sua rivalidade comercial, o
alfaiate não só se aproxima do lojista judeu, mas deixa de ser um
cidadão complacente com o estado das coisas para se tornar um
inimigo atento da intolerância.
A idéia da tomada de consciência do fascismo por um cidadão
comum nas suas relações cotidianas, graças a um contato mais íntimo com um vizinho que se torna vítima do regime, já tinha sido
tema de um filme anterior de Scola, "Um Dia Muito Especial".
Aqui essa relação é mais prosaica -menos espetacular e dramática. Como num filme dos anos 30
ou 40, não existe nada além da rua
construída em estúdio, como um
cenário baseado num quadro de
Balthus. Nada do que fica além do
pequeno universo cotidiano e
aparentemente tranquilo (o terror, os campos de extermínio etc.)
pode ser visto.
E é assim que Scola, cineasta de
estúdios e ambientes fechados, representa o preconceito por uma
alegoria cenográfica: ele é gerado
pela inconsequência tranquila
dos que não vêem, além dos limites da sua vida cotidiana, os efeitos das suas próprias ações.
Concorrência Desleal
Concorrenza Sleale
Produção: Itália, 2000
Direção: Ettore Scola
Com: Diego Abatantuono, Sergio
Castellito, Gérard Depardieu
Onde: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Cinearte e circuito
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