São Paulo, quarta-feira, 07 de setembro de 2005

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EM ENSAIO, FOTÓGRAFO ARGENTINO DIEGO LEVY RETRATA CENAS DE VIOLÊNCIA EM MORROS DO RIO, EM BUENOS AIRES, MEDELLÍN (COLÔMBIA) E NA CIDADE DO MÉXICO

A sangue frio

Diego Levy
Moradores rodeiam corpo de jovem assassinado em Comuna 13, um bairro pobre de Medellín, em registro do ensaio de Diego Levy


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Estou acostumado a ver cadáveres, mas aquelas crianças também estão." Assim o fotógrafo argentino Diego Levy, 32, descreve uma de suas surpresas com a rotina da violência nos morros do Rio de Janeiro.
Rotina que ele buscou deliberadamente conhecer e fotografar para o ensaio "Sangre" (sangue), que reúne ainda flagrantes da criminalidade urbana em Buenos Aires, Medellín (Colômbia) e na Cidade do México.
Nas quatro cidades, Levy acompanhou fatos policiais de toda natureza. "Não interessava muito sua origem, mas sua conseqüência, que era a violência nas ruas", afirma o fotógrafo.
Na entrevista a seguir, Levy explica que a intenção de seu trabalho não é jornalística ou de denúncia. O que procura é descobrir algo de beleza nas imagens, ainda que sejam também "cruas, duras, fortes e pesadas".
O ensaio, exibido em mostra na capital argentina, pode ser visto também na internet (www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/levy).
 

Folha - O que definiu sua escolha por Buenos Aires, Cidade do México, Medellín e Rio para o ensaio?
Diego Levy -
Foi uma escolha um pouco arbitrária. Elegi quatro cidades simbólicas da América Latina, mas o trabalho não se refere somente a elas, e sim a uma realidade latino-americana comum.

Folha - Que rotina de trabalho estabeleceu no Rio de Janeiro?
Levy -
Consegui ajuda das pessoas do jornal "O Dia". Eu ia de manhã cedo para lá, trabalhar como se fosse um fotógrafo do jornal. Sentava na editoria de fotografia e esperava ocorrer alguma notícia policial. Quando ocorria, acompanhava o fotógrafo do jornal, no mesmo carro. Fiz isso durante duas semanas.

Folha - O fato de haver ido fotografar no Rio depois do assassinato do jornalista Tim Lopes o fez tomar precauções especiais?
Levy -
Procurei respeitar os códigos de todas as cidades em que trabalhei. Creio que conheço os códigos da minha cidade e, mesmo assim, não por completo.
No Rio, sempre me desloquei com o fotógrafo do jornal. Se ele dizia que em determinado lugar não convinha entrar porque era perigoso, eu não entrava. Fazia isso pela minha própria segurança e em respeito às pessoas que estavam me levando.

Folha - Que diferenças percebeu entre os códigos do Rio e os das demais cidades?
Levy -
O poder da Polícia Militar no Rio me surpreendeu muito. Tive a impressão de ser uma força extremamente violenta e com muito poder.
Também me surpreendeu que cada favela tenha, não a sua quadrilha, mas o seu exército de narcotráfico -são estruturas quase militarizadas, com diferentes níveis hierárquicos.
Outra coisa que me surpreendeu foram as demonstrações de poder dos traficantes. São capazes de, numa estrada de acesso à favela, parar um automóvel, mandar os passageiros saírem e atear fogo ao carro, sem motivo, simplesmente para demonstrar poder.
O Rio me sugere um estado de guerra constante do Estado contra os exércitos de narcotráfico. Buenos Aires também tem estrutura de narcotráfico e seqüestro, mas num nível mais precário, não tão organizado.

Folha - Buenos Aires tem também uma polícia, a Bonaerense, com péssima reputação.
Levy -
A Bonaerense é uma polícia muito corrupta e também muito violenta, mas não está militarizada. No Rio, eu via policiais de 1,90 m, com seus fuzis. Parecia o Exército nas ruas.
Os caras da Bonaerense são tipos que não conseguem correr um quarteirão. Dedicam-se a receber das prostitutas e das casas de jogos.
No Rio, eu via os policiais militares e sentia medo. Nas favelas, ouvi muitos relatos sobre a invasão violenta da polícia.

Folha - Que critérios usou para escolher as 20 fotos de cada cidade que compõem a exposição?
Levy -
O critério de edição é exclusivamente estético. Este trabalho não tem uma intenção jornalística ou de revelar informação, mas sim estética. Há certas fotos que me agradam e me parecem funcionar; outras não. É uma questão subjetiva.
Um critério que sempre levei em conta é o de que as fotos fossem contundentes, sem metáforas, duplos sentidos ou imagens suaves. Tinham de ser frontais.

Folha - Por que escolheu este tema? Faria um ensaio de moda?
Levy -
Tenho atração por esse tipo de fotos. Elas sempre me agradaram, mas não sei dizer o motivo. O que faço é fotografia documental e acho que ela pode ser aplicada a qualquer tipo de situação, não somente às notícias duras e difíceis, às guerras e aos mortos.
Posso fazer esse registro aplicado à moda, mas com o mesmo olhar, porque tenho um olhar já incorporado.

Folha - Como define o seu olhar?
Levy -
É muito difícil [definir]. O que tento é recortar imagens da realidade e encontrar beleza em algum ponto delas.
Pode parecer estranho, mas, para mim, as fotos de "Sangre" são lindas, além de serem cruas, duras, fortes e pesadas. Eu as vejo como imagens belas, que eu penduraria na parede da minha casa.

Folha - Pendurou?
Levy -
Ainda não, porque estão expostas. Quando terminar a exposição, vou pendurar algumas.

Folha - Por que deu o nome "Sangre" ao ensaio?
Levy -
Pensei no nome durante muito tempo. "Sangre" é curto, simples, direto e contundente. Talvez seja óbvio, mas não me ocorreu outro.


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