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EM ENSAIO, FOTÓGRAFO ARGENTINO DIEGO LEVY RETRATA CENAS DE VIOLÊNCIA EM MORROS DO RIO, EM BUENOS AIRES, MEDELLÍN (COLÔMBIA) E NA CIDADE DO MÉXICO
A sangue frio
Diego Levy
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Moradores rodeiam corpo de jovem assassinado em Comuna 13, um bairro pobre de Medellín, em registro do ensaio de Diego Levy |
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Estou acostumado a ver cadáveres, mas aquelas crianças também estão." Assim o fotógrafo argentino Diego Levy, 32, descreve
uma de suas surpresas com a rotina da violência nos morros do Rio
de Janeiro.
Rotina que ele buscou deliberadamente conhecer e fotografar
para o ensaio "Sangre" (sangue),
que reúne ainda flagrantes da criminalidade urbana em Buenos
Aires, Medellín (Colômbia) e na
Cidade do México.
Nas quatro cidades, Levy acompanhou fatos policiais de toda natureza. "Não interessava muito
sua origem, mas sua conseqüência, que era a violência nas ruas",
afirma o fotógrafo.
Na entrevista a seguir, Levy explica que a intenção de seu trabalho não é jornalística ou de denúncia. O que procura é descobrir
algo de beleza nas imagens, ainda
que sejam também "cruas, duras,
fortes e pesadas".
O ensaio, exibido em mostra na
capital argentina, pode ser visto
também na internet (www.zonezero.com/exposiciones/fotografos/levy).
Folha - O que definiu sua escolha
por Buenos Aires, Cidade do México, Medellín e Rio para o ensaio?
Diego Levy - Foi uma escolha um
pouco arbitrária. Elegi quatro cidades simbólicas da América Latina, mas o trabalho não se refere
somente a elas, e sim a uma realidade latino-americana comum.
Folha - Que rotina de trabalho estabeleceu no Rio de Janeiro?
Levy - Consegui ajuda das pessoas do jornal "O Dia". Eu ia de
manhã cedo para lá, trabalhar como se fosse um fotógrafo do jornal. Sentava na editoria de fotografia e esperava ocorrer alguma
notícia policial. Quando ocorria,
acompanhava o fotógrafo do jornal, no mesmo carro. Fiz isso durante duas semanas.
Folha - O fato de haver ido fotografar no Rio depois do assassinato
do jornalista Tim Lopes o fez tomar
precauções especiais?
Levy - Procurei respeitar os códigos de todas as cidades em que
trabalhei. Creio que conheço os
códigos da minha cidade e, mesmo assim, não por completo.
No Rio, sempre me desloquei
com o fotógrafo do jornal. Se ele
dizia que em determinado lugar
não convinha entrar porque era
perigoso, eu não entrava. Fazia isso pela minha própria segurança
e em respeito às pessoas que estavam me levando.
Folha - Que diferenças percebeu
entre os códigos do Rio e os das demais cidades?
Levy - O poder da Polícia Militar
no Rio me surpreendeu muito.
Tive a impressão de ser uma força
extremamente violenta e com
muito poder.
Também me surpreendeu que
cada favela tenha, não a sua quadrilha, mas o seu exército de narcotráfico -são estruturas quase
militarizadas, com diferentes níveis hierárquicos.
Outra coisa que me surpreendeu foram as demonstrações de
poder dos traficantes. São capazes
de, numa estrada de acesso à favela, parar um automóvel, mandar
os passageiros saírem e atear fogo
ao carro, sem motivo, simplesmente para demonstrar poder.
O Rio me sugere um estado de
guerra constante do Estado contra os exércitos de narcotráfico.
Buenos Aires também tem estrutura de narcotráfico e seqüestro,
mas num nível mais precário, não
tão organizado.
Folha - Buenos Aires tem também
uma polícia, a Bonaerense, com
péssima reputação.
Levy - A Bonaerense é uma polícia muito corrupta e também
muito violenta, mas não está militarizada. No Rio, eu via policiais
de 1,90 m, com seus fuzis. Parecia
o Exército nas ruas.
Os caras da Bonaerense são tipos que não conseguem correr
um quarteirão. Dedicam-se a receber das prostitutas e das casas
de jogos.
No Rio, eu via os policiais militares e sentia medo. Nas favelas,
ouvi muitos relatos sobre a invasão violenta da polícia.
Folha - Que critérios usou para escolher as 20 fotos de cada cidade
que compõem a exposição?
Levy - O critério de edição é exclusivamente estético. Este trabalho não tem uma intenção jornalística ou de revelar informação,
mas sim estética. Há certas fotos
que me agradam e me parecem
funcionar; outras não. É uma
questão subjetiva.
Um critério que sempre levei
em conta é o de que as fotos fossem contundentes, sem metáforas, duplos sentidos ou imagens
suaves. Tinham de ser frontais.
Folha - Por que escolheu este tema? Faria um ensaio de moda?
Levy - Tenho atração por esse tipo de fotos. Elas sempre me agradaram, mas não sei dizer o motivo. O que faço é fotografia documental e acho que ela pode ser
aplicada a qualquer tipo de situação, não somente às notícias duras e difíceis, às guerras e aos mortos.
Posso fazer esse registro aplicado à moda, mas com o mesmo
olhar, porque tenho um olhar já
incorporado.
Folha - Como define o seu olhar?
Levy - É muito difícil [definir]. O
que tento é recortar imagens da
realidade e encontrar beleza em
algum ponto delas.
Pode parecer estranho, mas, para mim, as fotos de "Sangre" são
lindas, além de serem cruas, duras, fortes e pesadas. Eu as vejo como imagens belas, que eu penduraria na parede da minha casa.
Folha - Pendurou?
Levy - Ainda não, porque estão
expostas. Quando terminar a exposição, vou pendurar algumas.
Folha - Por que deu o nome "Sangre" ao ensaio?
Levy - Pensei no nome durante
muito tempo. "Sangre" é curto,
simples, direto e contundente.
Talvez seja óbvio, mas não me
ocorreu outro.
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