São Paulo, sexta-feira, 07 de setembro de 2007

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Peça traz Quixote e Sancho Pança para o Nordeste

Autor da versão, Ruy Guerra diz que se ateve aos grandes temas do clássico do séc. 17, mas se permitiu "iconoclastias"

Com Edson Celulari no papel-título, espetáculo incorpora cordelistas, romeiros e brincantes ao imaginário quixotesco

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais de 400 anos de andanças em defesa do ideal de justiça fizeram o fidalgo Dom Quixote deixar a La Mancha natal na distância e vir bater nestas terras. É no sertão nordestino, onde passa a atender pelo nome de Queixada, que o personagem de Miguel de Cervantes e seu escudeiro Sancho Pança perambulam em "Dom Quixote de Lugar Nenhum", espetáculo com Edson Celulari no papel-título que estréia em São Paulo hoje, depois de passar por Salvador, Natal e Recife.
Quem traz a dupla para peregrinar na caatinga é Ruy Guerra, 76, autor da adaptação do clássico medieval. Em pleno agreste, os desvarios se mantêm: Quixote busca tanto um dragão que o permita provar sua valentia quanto a amada Dulcinéia -mais uma fabulação de seu inconsciente.
O cenário nordestino, entretanto, convida a algumas liberdades poéticas. É por isso que cruzam o caminho dos cavaleiros retirantes, romeiros, brincantes e cordelistas. Também há citações aos ritmos da região, como frevo, xote e maracatu, que dão ao espetáculo ares de comédia musicada.
"A cultura nordestina é muito hispânica, de certa forma, no seu vocabulário e em uma série de heranças culturais. A própria paisagem árida remete à Castela [região espanhola em que está a comarca de La Mancha], que é desértica. [Apesar dos ajustes], me ative aos grandes temas do "Dom Quixote': o sonho, a loucura, a poesia e a integridade, traduzidos em solilóquios com linguajar nordestino", diz Guerra.
O autor lista entre suas sutis "iconoclastias" a escolha de um proprietário ilustre para o dragão com quem Queixada quer duelar e a revelação, a certa altura, de uma "segunda pele" de Sancho Pança. "Para os puristas, pode resultar em surpresa", avisa.

Adaptar era loucura
O protagonista Celulari, 49, conta que ele e o amigo Ernesto Piccolo, que dirige a peça, planejavam levar a história aos palcos há tempos. Três anos atrás, quando morreu a mãe do diretor -que havia presenteado Celulari com o calhamaço de Cervantes-, decidiram que era hora de tirar o projeto da gaveta. "E encontramos o louco certo para fazer a adaptação", brinca, referindo-se a Guerra.
O trabalho consumiu um ano. Para o ator, o traço idílico da saga do Cavaleiro da Triste Figura não ficou datado "porque ele realiza aquilo que todos nós queremos: ser o outro. Ele acredita ser o cavaleiro andante, crê na utopia, e nisso tem muito da pureza infantil".
Também produtor da peça, Celulari diz que a função (já assumida em "Fim de Jogo", de Beckett) lhe permite encarnar "personagens mais densos". "O fato de me "autoproduzir" me dá a possibilidade de estimular um lado artístico maior do que na TV e no cinema. Porque aí escolho o texto que quero, junto as pessoas que quero. Sou um ator por excelência, e esse ator tem ambições."
O desejo de vôos artísticos mais altos não o faz virar as costas para o meio que o projetou. A partir de novembro, ele grava "Beleza Pura", próxima novela das sete da TV Globo. Na trama de Andrea Maltarolli (com supervisão de Sílvio de Abreu), viverá o mulherengo engenheiro aeronáutico Guilherme, que terá a carreira posta em xeque quando uma peça fabricada por ele for apontada como a causa de um acidente aéreo.


DOM QUIXOTE DE LUGAR NENHUM
Onde:
teatro shopping Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, tel. 0/xx/11 3472-2229)
Quando: estréia hoje, às 21h30; sáb., às 20h e às 22h30; dom., às 18h; até 30/9
Quanto: R$ 80 (meia: R$ 40)


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