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ARTE E POESIA
Gravuras representam o charme oriental
CAMILA VIEGAS
especial para a Folha
Para falar da série de gravuras
que a pintora Tomie Ohtake e o
poeta Haroldo de Campos lançam
nesta quarta-feira, às 20h, na galeria Nara Roesler, é preciso explicar
o significado de seu título, yû-gen.
O conceito deriva do Zen budismo e resume as qualidades de sutileza e charme. Seu símbolo, segundo o orientalista Arthur Waley, é
um pássaro branco levando uma
flor no bico.
Yû-gen é um termo-chave na estética do teatro Nô -uma forma teatral tradicional e contemporânea
ao surgimento da cerimônia do
chá, no século 15 cristão.
Entre as peças mais importantes
do Nô está "Hagoromo" ("O Manto de Plumas"), de Motokiyo Zeami (1363-1443) traduzido por Haroldo, em 1994.
"Hagoromo" conta a história de
um pescador que encontra um
manto de plumas aparentemente
abandonado, descobre que ele pertence a um anjo e reluta em devolvê-lo. Tennin, o anjo do céu budista, espécie de fada ou ninfa lunar,
precisa do manto para poder voltar ao palácio celeste onde mora.
"A cena final em que Tennin retorna ao céu é de uma sutileza linda, de branco no branco", conta
Haroldo que traduziu a passagem
como "passa-se agora o tempo: o
celeste manto de plumas está no
vento(...) flutua excelso dissolvido
no céu do céu. Esfuma-se na névoa
e a vista o perde".
Se Nô significa "plenilúnio/ plenitude/ perfeição', yû-gen dá nome
a definição de um resultado estético. E agora podemos falar sobre o
charme sutil das gravuras de Tomie e Haroldo.
Tomie costuma dizer que os poemas de Haroldo já têm cor. Haroldo diz que a cor não é explícita, ela
é que a encontrou. "Há um movimento osmótico, a palavra transforma-se em cor e a cor em palavra", define citando parte do texto
de apresentação do álbum.
De qualquer maneira é fácil notar
que é necessário haver afinidade
estrutural e certa sensibilidade comum para trabalhar em conjunto.
"Desta maneira as gravuras de Tomie nunca serão ilustração de
meus poemas", explica Haroldo.
"Trata-se não só de uma transcriação, mas também de um recorte
original da poesia."
Para o poeta, Tomie é uma espécie de Lady Murasaki da modernidade. Lady Murasaki é o pseudônimo de uma mulher que é tida como o maior escritor da literatura
japonesa.
Sabe-se pouco sobre sua biografia. "Ela era uma dama da corte e
sua poética é comparada com a de
Proust, só que ela viveu no ano
1000", diz Haroldo. O poeta visitou
a casa onde Lady Murasaki morou
e ficou impressionado com a imagem reproduzida em cera que usava um quimono roxo. Alguns de
seus poemas referem-se a ela.
"Assim como Lady Murasaki,
Tomie se interessa pela essência",
compara. Haroldo acompanha sua
obra a ponto de dar palestras sobre
ela e ter escrito a apresentação de
uma de suas exposições mais elogiadas.
Ele tem pelo menos dez obras de
Tomie em sua sala. Inclusive a tela
de maior destaque-que ilumina a
mesa das refeições e reflete o sol de
manhã- batizada pelo poeta de
"Berçario dos Sóis".
Alguns dos poemas contidos nas
gravuras foram escritos no Japão
-uma viagem esperada por mais
de trinta anos. Eles integram o livro "Crisantempo" (ed. Perspectiva), que será lançado no dia 15 deste mês, às 19h30, no Clube A Hebraica (r. Hungria, 1.000).
Durante o lançamento Haroldo
lerá alguns dos poemas e a cantora
Fortuna fará uma apresentação especial.
"Transcriando' a frase de Zeami
sobre o Nô, traduzida por Waley,
Haroldo dá uma dica para observar as gravuras. "Esqueça a gravura e olhe para a arte./ esqueça a arte
e olhe para a flor/ esqueça a flor e
olhe para a idéia/ esqueça a idéia e
você compreenderá o yû- gen".
²
Lançamento: Yû-gen
Exposição: das gravuras do álbum Yû-gen
Quando: quarta-feira, às 20h (abertura). De
seg. a sex., das 10h às 20h; sáb., das 10h às
14h. Até 23 de setembro
Onde: galeria Nara Roesler (av. Europa, 655,
tel. 011/853-2123)
Preço: R$ 3.000 cada álbum
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