São Paulo, segunda, 7 de setembro de 1998

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ARTE E POESIA
Gravuras representam o charme oriental

CAMILA VIEGAS
especial para a Folha

Para falar da série de gravuras que a pintora Tomie Ohtake e o poeta Haroldo de Campos lançam nesta quarta-feira, às 20h, na galeria Nara Roesler, é preciso explicar o significado de seu título, yû-gen.
O conceito deriva do Zen budismo e resume as qualidades de sutileza e charme. Seu símbolo, segundo o orientalista Arthur Waley, é um pássaro branco levando uma flor no bico.
Yû-gen é um termo-chave na estética do teatro Nô -uma forma teatral tradicional e contemporânea ao surgimento da cerimônia do chá, no século 15 cristão.
Entre as peças mais importantes do Nô está "Hagoromo" ("O Manto de Plumas"), de Motokiyo Zeami (1363-1443) traduzido por Haroldo, em 1994.
"Hagoromo" conta a história de um pescador que encontra um manto de plumas aparentemente abandonado, descobre que ele pertence a um anjo e reluta em devolvê-lo. Tennin, o anjo do céu budista, espécie de fada ou ninfa lunar, precisa do manto para poder voltar ao palácio celeste onde mora.
"A cena final em que Tennin retorna ao céu é de uma sutileza linda, de branco no branco", conta Haroldo que traduziu a passagem como "passa-se agora o tempo: o celeste manto de plumas está no vento(...) flutua excelso dissolvido no céu do céu. Esfuma-se na névoa e a vista o perde".
Se Nô significa "plenilúnio/ plenitude/ perfeição', yû-gen dá nome a definição de um resultado estético. E agora podemos falar sobre o charme sutil das gravuras de Tomie e Haroldo.
Tomie costuma dizer que os poemas de Haroldo já têm cor. Haroldo diz que a cor não é explícita, ela é que a encontrou. "Há um movimento osmótico, a palavra transforma-se em cor e a cor em palavra", define citando parte do texto de apresentação do álbum.
De qualquer maneira é fácil notar que é necessário haver afinidade estrutural e certa sensibilidade comum para trabalhar em conjunto. "Desta maneira as gravuras de Tomie nunca serão ilustração de meus poemas", explica Haroldo. "Trata-se não só de uma transcriação, mas também de um recorte original da poesia."
Para o poeta, Tomie é uma espécie de Lady Murasaki da modernidade. Lady Murasaki é o pseudônimo de uma mulher que é tida como o maior escritor da literatura japonesa.
Sabe-se pouco sobre sua biografia. "Ela era uma dama da corte e sua poética é comparada com a de Proust, só que ela viveu no ano 1000", diz Haroldo. O poeta visitou a casa onde Lady Murasaki morou e ficou impressionado com a imagem reproduzida em cera que usava um quimono roxo. Alguns de seus poemas referem-se a ela.
"Assim como Lady Murasaki, Tomie se interessa pela essência", compara. Haroldo acompanha sua obra a ponto de dar palestras sobre ela e ter escrito a apresentação de uma de suas exposições mais elogiadas.
Ele tem pelo menos dez obras de Tomie em sua sala. Inclusive a tela de maior destaque-que ilumina a mesa das refeições e reflete o sol de manhã- batizada pelo poeta de "Berçario dos Sóis".
Alguns dos poemas contidos nas gravuras foram escritos no Japão -uma viagem esperada por mais de trinta anos. Eles integram o livro "Crisantempo" (ed. Perspectiva), que será lançado no dia 15 deste mês, às 19h30, no Clube A Hebraica (r. Hungria, 1.000).
Durante o lançamento Haroldo lerá alguns dos poemas e a cantora Fortuna fará uma apresentação especial.
"Transcriando' a frase de Zeami sobre o Nô, traduzida por Waley, Haroldo dá uma dica para observar as gravuras. "Esqueça a gravura e olhe para a arte./ esqueça a arte e olhe para a flor/ esqueça a flor e olhe para a idéia/ esqueça a idéia e você compreenderá o yû- gen".
²
Lançamento: Yû-gen Exposição: das gravuras do álbum Yû-gen Quando: quarta-feira, às 20h (abertura). De seg. a sex., das 10h às 20h; sáb., das 10h às 14h. Até 23 de setembro Onde: galeria Nara Roesler (av. Europa, 655, tel. 011/853-2123) Preço: R$ 3.000 cada álbum


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