São Paulo, segunda, 7 de setembro de 1998

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Gênio Indomável

CECÍLIA SAYAD
da Redação

Matt Damon e Ben Affleck, que levaram o Oscar de melhor roteiro por "Gênio Indomável", colocaram em questão valores da sociedade norte-americana sob o ponto de vista de um personagem a um só tempo excluído e privilegiado.
Will Hunting (Damon) tem uma inteligência matemática que deixa os professores do MIT babando de inveja. Resolve com um pé nas costas problemas que tomam décadas das vidas de doutores na área. Em suma, é um gênio, e esse é o seu privilégio.
É, porém, órfão e pertence a uma classe social desfavorecida, tendo passado a infância a migrar entre lares adotivos.
Apesar de ter consciência de seus dotes, prefere a companhia dos amigos, operários ou desempregados com quem enche a cara e se mete em brigas de rua.
Nisso, é um excluído e acaba na cadeia. Até que um professor do MIT, sabendo de sua genialidade, resolve investir no rapaz: aceita pagar sua fiança sob a condição de ser seu tutor, o que significa colocá-lo em contato com profissionais da área e obrigá-lo a fazer terapia.
É então que entra o psicólogo interpretado por Robin Williams (Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel), que faz com que o dilema colocado pelo filme perca um pouco de sua força.
Will rejeita a passagem para o mundo dos privilegiados. Recusa empregos que lhe ofereceriam um salário milionário e um status social elevado. Mais: rejeita o título de gênio, ainda que seja bastante arrogante.
No entanto, essa rejeição, em vez de questionar valores como "você deve servir ao desenvolvimento da ciência e à evolução do pensamento humano", que contraporiam o interesse individual ("prefiro beber com amigos") ao coletivo, acaba reiterando esses valores.
Eis a razão: Will recusa tudo o que lhe é oferecido porque tem medo -originário de seus traumas em uma infância de abusos e abandonos.
Quando o psicólogo chega a essa óbvia conclusão, o discurso de questionamento do rapaz vai por água abaixo, pois sua recusa a integrar-se vem de uma "deficiência" em superar certos problemas. Ou seja, não poderia ser natural, é "coisa de desequilibrado".
Esses traumas acabam prejudicando Will também em sua relação amorosa com a personagem de Minnie Driver. Damon e Affleck não perdem a oportunidade de colocar o amor como mais um valor em jogo no filme -este, entretanto, de importância indiscutível e caráter redentor.
É assim que "Gênio Indomável" se revela um filme que parte de uma aparente rebeldia para revelar-se conformado, mas de um conformismo que se ampara no amor e é, assim, perdoado.
Dez em apelo junto ao público. Se tivesse levado mais a sério as questões que coloca, seria um grande filme.
²
Filme: Gênio Indomável Produção: EUA, 1997, 126 min Direção: Gus Van Sant Com: Matt Damon, Robin Williams, Minnie Driver
Lançamento: Paris (011/3872-4404)



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