São Paulo, Terça-feira, 07 de Setembro de 1999
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FESTIVAL DE VENEZA
Allen homenageia Django Reinhardt

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

O lançamento mundial de "Sweet and Lowdown" (Doce e Baixo), o 29º longa-metragem de Woody Allen, encantou ontem este pouco excitante 56º Festival de Veneza. Em seu mais relaxado e divertido filme desde "Poderosa Afrodite" (1995), Allen celebra seu amor ao jazz por meio do retrato de um violonista dos anos 30.
Django Reinhardt (1910-1953), o grande fundador do mítico "Hot Club" com Grapelli, serviu de referência básica, como reconheceu o próprio Allen. O fictício Emmet Ray, interpretado por Sean Penn, não cansa de bater continência ao mestre. "Ninguém me supera, exceto aquele cigano da França", repete Ray o filme todo.
Como em "Zelig", Allen pontua "Sweet" com depoimentos de especialistas, nem sempre reais, para autorizar a homenagem. Ele próprio abre o filme lembrando a emoção da descoberta do violonista, sendo seguido por um radialista (verdadeiro), um biógrafo (falso) e um historiador de jazz (real).
"Sweet" prossegue alinhando as hilárias aventuras de Ray entre músicos, gângsteres e amores. Presunçoso, indisciplinado e egocêntrico, o gênio das cordas dissipa em luxos muito mais do que ganha com seu talento.
Bicos como cafetão e jogador complementam os ganhos. Nas horas vagas, Ray cede à cleptomania, exercita a mira em ratos ou, supremo gozo, assiste à passagem de trens.
Duas mulheres marcam-lhe a trajetória. A extraordinária Samantha Morton, sósia em figura e irmã em talento da brasileira Maria Luiza Mendonça, interpreta Hattie, a jovem muda que se dedica a Ray de corpo e alma. Instável demais para o casamento, o músico acaba abandonando-a para logo se amarrar com Blanche (Uma Thurman), uma escritora pretensiosa e volúvel.
Descontados Penn, Thurman e Anthony LaPaglia, sua galeria de excêntricos algo felliniana se forma graças a um elenco de desconhecidos. Penn carrega o filme nas costas, apesar da evidente displicência com que empunha o violão. Seu Ray compõe-se tendo como modelo o músico feito por Robert De Niro em "New York, New York". Nunca foi tão fácil gostar dele.

Cores
A cenografia, como sempre de Santo Loquasto, e a foto, pela primeira vez do chinês Zhao Fei ("Lanternas Vermelhas"), garantem a "Sweet" uma exuberância de cores rara num filme de Allen. A justa equivalência musical atinge-se com os solos de violão de Harold Alden a serviço da trilha de clássicos rearranjados soberbamente por Dick Hyman.
Licenciando-se do desejo de transcendência de seus dois últimos filmes, Allen resgata aqui o prazer da pura comédia nostálgica, à moda de "A Era do Rádio" (1987) e "Tiros na Broadway" (1994). O cineasta não veio a Veneza apresentar "Sweet" fora de competição pois, como sempre, já trabalha em seu próximo filme. Ele próprio adiantou tratar-se de "uma comédia sobre o mundo dos ladrões", protagonizada por Hugh Grant. Já é um dos trunfos de Veneza 2000.


O jornalista Amir Labaki viaja a Veneza a convite da organização do festival


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