São Paulo, sábado, 07 de outubro de 2000

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RESENHA
Obra fica devendo à realidade que lhe serve de medida

WENDY LESSER
DO "THE NEW YORK TIMES"

Se o romance de James Ellroy sobre uma força policial corrupta e racista em Los Angeles fosse de antes de 92, é possível que pudéssemos tê-lo apreciado como uma obra de machismo urbano. Mas, tendo sido lançado nos EUA depois dos tumultos em Los Angeles (desencadeados pelo espancamento, por três policiais, do motorista negro Rodney King), é a realidade que tem de lhe servir de medida. E o livro -que agora chega ao Brasil- fica devendo.
Não que a realidade seja mais violenta do que "Jazz Branco", o quarto livro da série de Ellroy sobre tiras e assassinos em LA. O anti-herói que narra o romance, o tenente Dave Klein, é responsável por cerca de metade das vítimas, muitas vezes em situações em que ele as deveria estar interrogando.
Mas Klein não é mais corrupto do que os demais policiais do livro, todos os quais colaboram de perto com o crime organizado, na venda de drogas, pornografia cruel, na apreensão e revenda de peles e em sexo a preço alto. E a LA de 1992 não é mais racista do que a cidade que Ellroy imagina em 58. Seus policiais se referem cruamente à "crioulândia", presumem que todos os italianos sejam mafiosos, odeiam os hispânicos e, ao que parece, não gostam muito dos judeus.
O ódio permeia o livro de Ellroy -dos tiras pelos civis, dos brancos pelos negros, da direita pela esquerda, dos poderosos uns pelos outros e, para completar, o do autor pelos seus personagens. O que a LA real tem, em meio a toda essa feroz desintegração, é exatamente aquilo que falta estrondosamente ao romance de Ellroy: uma linha narrativa coerente.
Para empacotar o máximo possível de ação no mínimo possível de espaço, Ellroy adotou um estilo telegráfico e sensacionalista. Nós muitas vezes nem começamos a nos interessar por personagens cuja passagem pela trama nem sequer dura uma sentença.
Maneirismos de histórias em quadrinhos nos fazem compreender o quanto os predecessores de Ellroy no mundo dos romances policiais, como Hammett, Chandler e Cain, eram sutis e esnobes.
Eu gosto de esnobes sutis. Henry James, por exemplo, é não só o antídoto perfeito para Ellroy como também se revela um crítico astuto das irregularidades estilísticas do trabalho.
"Retrato de uma Senhora", de James, apresenta um personagem, a sra. Touchett, que se comunica da mesma maneira que o Dave Klein de Ellroy. "Minha mãe basicamente se comunica conosco por telegrama", conta secamente Ralph, o filho da sra. Touchett, a um visitante, "e os telegramas dela são inescrutáveis, na verdade... Meu pai e eu não conseguimos deixar de nos sentir intrigados; ela admite tantas interpretações". Ralph e o sr. Touchett pelo menos se divertem com as alternativas. Os leitores de Ellroy são menos afortunados, porque, em "Jazz Branco", o estilo abreviado sinaliza não a multiplicidade, mas a ausência de significado.
Ellroy nem sempre escreveu assim. "Dália Negra", o primeiro da série sobre Los Angeles, tinha uma trama coerente, se bem que confusa, e um conjunto completo de sentenças e parágrafos. Os momentos irritantes aumentaram em "Los Angeles - Cidade Proibida", o terceiro da série -mas agora eles parecem ter assumido domínio integral sobre o autor.


Tradução Paulo Migliacci

Livro: Jazz Branco
Título original: White Jazz
Autor: James Ellroy
Tradução: Alves Calado
Editora: Record
Quanto: R$ 38 (448 págs.)




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