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RESENHA
Obra fica devendo à realidade que lhe serve de medida
WENDY LESSER
DO "THE NEW YORK TIMES"
Se o romance de James Ellroy
sobre uma força policial corrupta e racista em Los Angeles
fosse de antes de 92, é possível que
pudéssemos tê-lo apreciado como uma obra de machismo urbano. Mas, tendo sido lançado nos
EUA depois dos tumultos em Los
Angeles (desencadeados pelo espancamento, por três policiais, do
motorista negro Rodney King), é
a realidade que tem de lhe servir
de medida. E o livro -que agora
chega ao Brasil- fica devendo.
Não que a realidade seja mais
violenta do que "Jazz Branco", o
quarto livro da série de Ellroy sobre tiras e assassinos em LA. O anti-herói que narra o romance, o
tenente Dave Klein, é responsável
por cerca de metade das vítimas,
muitas vezes em situações em que
ele as deveria estar interrogando.
Mas Klein não é mais corrupto
do que os demais policiais do livro, todos os quais colaboram de
perto com o crime organizado, na
venda de drogas, pornografia
cruel, na apreensão e revenda de
peles e em sexo a preço alto. E a
LA de 1992 não é mais racista do
que a cidade que Ellroy imagina
em 58. Seus policiais se referem
cruamente à "crioulândia", presumem que todos os italianos sejam mafiosos, odeiam os hispânicos e, ao que parece, não gostam
muito dos judeus.
O ódio permeia o livro de Ellroy
-dos tiras pelos civis, dos brancos pelos negros, da direita pela
esquerda, dos poderosos uns pelos outros e, para completar, o do
autor pelos seus personagens. O
que a LA real tem, em meio a toda
essa feroz desintegração, é exatamente aquilo que falta estrondosamente ao romance de Ellroy:
uma linha narrativa coerente.
Para empacotar o máximo possível de ação no mínimo possível
de espaço, Ellroy adotou um estilo
telegráfico e sensacionalista. Nós
muitas vezes nem começamos a
nos interessar por personagens
cuja passagem pela trama nem sequer dura uma sentença.
Maneirismos de histórias em
quadrinhos nos fazem compreender o quanto os predecessores de
Ellroy no mundo dos romances
policiais, como Hammett, Chandler e Cain, eram sutis e esnobes.
Eu gosto de esnobes sutis.
Henry James, por exemplo, é não
só o antídoto perfeito para Ellroy
como também se revela um crítico astuto das irregularidades estilísticas do trabalho.
"Retrato de uma Senhora", de
James, apresenta um personagem, a sra. Touchett, que se comunica da mesma maneira que o
Dave Klein de Ellroy. "Minha mãe
basicamente se comunica conosco por telegrama", conta secamente Ralph, o filho da sra. Touchett, a um visitante, "e os telegramas dela são inescrutáveis, na
verdade... Meu pai e eu não conseguimos deixar de nos sentir intrigados; ela admite tantas interpretações". Ralph e o sr. Touchett pelo menos se divertem com as alternativas. Os leitores de Ellroy
são menos afortunados, porque,
em "Jazz Branco", o estilo abreviado sinaliza não a multiplicidade, mas a ausência de significado.
Ellroy nem sempre escreveu assim. "Dália Negra", o primeiro da
série sobre Los Angeles, tinha
uma trama coerente, se bem que
confusa, e um conjunto completo
de sentenças e parágrafos. Os momentos irritantes aumentaram
em "Los Angeles - Cidade Proibida", o terceiro da série -mas
agora eles parecem ter assumido
domínio integral sobre o autor.
Tradução Paulo Migliacci
Livro: Jazz Branco
Título original: White Jazz
Autor: James Ellroy
Tradução: Alves Calado
Editora: Record
Quanto: R$ 38 (448 págs.)
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