|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Em filme sobre desempreg ados, Fernando Aranoa satiriza os efeitos sociais de uma "nova Europa"
O sol enganador
Divulgação
|
Luis Tosar (à esq.) e Javier Bardem em cena de "Segunda-Feira ao Sol", de Fernando León de Aranoa |
Em entrevista à Folha, premiado diretor espanhol fala sobre a relação entre cinema e política
|
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Os que não nasceram com a vida ganha, aqueles para quem cada
dia é uma pequena odisséia" são
os personagens que interessam ao
cineasta espanhol Fernando León
de Aranoa, 35.
Em "Segunda-Feira ao Sol"
-seu terceiro longa, diversas vezes premiado na Espanha (13 troféus) e também no Brasil (quatro
Kikitos em Gramado)-, Aranoa
trata desses que considera "os heróis gregos modernos".
"São os desempregados e os
imigrantes os protagonistas das
odisséias de hoje", diz. Com estréia prevista para dia 31 no Brasil,
o filme é atração de amanhã no
Festival do Rio e está escalado para a Mostra de Cinema de SP, que
começa em 16 de outubro.
Folha - Você é frequentemente
comparado a Ken Loach, autor de
um cinema de temática social. A
comparação é correta?
Fernando León de Aranoa - Gosto
do cinema de Loach e tenho enorme respeito por ele. Não pergunte
a mim o que acho de ser comparado a ele, que começou antes e
fez filmes muito melhores. É preciso saber o que ele acha disso.
Gosto também do neo-realismo
italiano, por sua capacidade poética e de humor, seu gosto pela comédia elegante, seu respeito pelos
personagens. Talvez eu esteja em
algum lugar entre os dois.
Folha - Você considera seus filmes mais essencialmente políticos
do que a média ou só mais declaradamente políticos?
Aranoa - A maioria dos filmes, se
não todos, são políticos. Há filmes
americanos apresentados como
pura diversão que são uma tentativa de impor uma forma de pensar. Talvez seja uma estratégia
mais poderosa, já que consumimos a produção de Hollywood
sem defesa e comendo pipoca.
Folha - O cinema militante não se
arrisca a cair no vazio, sendo mais
discurso e menos arte?
Aranoa - O cinema militante não
me agrada, parece-me um erro,
porque você acaba falando exclusivamente para os que já pensam
como você. Prefiro um cinema
que não seja militante ou que, ao
menos, não pareça [risos]. Quando escrevo, tento não colocar o foco nos discursos, mas sim na
emoção dos personagens. Se o
discurso é muito evidente, não
funciona. Como espectador,
quando percebo que estão tentando me doutrinar, logo me rebelo.
Folha - O centro de seu interesse
são os personagens?
Aranoa - Sempre achei que as
coisas grandes se escrevem com
minúsculas. É possível conseguir,
com uma cena de um casal que
pede empréstimo num banco, um
suspense tão forte como o de um
avião em pane. Ou seja, o mesmo
nível de tensão que normalmente
se obtém com coisas mais espetaculares. A vida está cheia de pequenas situações assim. São elas
que traduzem a situação humana.
No início, fui um roteirista muito
preocupado com a trama. Aos
poucos, passei a pensar mais nos
personagens, aprendi a respeitá-los, a escutá-los. Eles é que criam a
trama. É errado se a trama obriga
os personagens a fazer algo.
Folha - Se tornou diretor para que
seus roteiros fossem respeitados?
Aranoa - De certa forma, sim. Vi
filmes feitos com roteiros meus
em que pensei: isso não era assim.
Não porque acrescentaram coisas, mas por uma questão de tom.
Algumas frases são tão frágeis e
sutis que, dependendo de como
sejam ditas, podem ser comédia
ou tragédia. Chegou um momento em que eu quis que elas tivessem esse tom dramático, com ligeira sombra cômica.
Folha - Você escreveu o papel de
Santa para Javier Bardem?
Aranoa - Não escrevo pensando
num ator. Prefiro imaginar que os
personagens têm uma cara e vivem em algum país. Ao ver Javier
em "Antes do Anoitecer" [2000],
imaginei que, se ele foi capaz de
convencer de que era [o poeta cubano] Reinaldo Arenas [1943-90],
seria capaz de qualquer coisa.
Folha - A Espanha candidatou seu
filme ao Oscar de melhor estrangeiro (2003). A Academia de Hollywood não o selecionou e indicou
Almodóvar a melhor roteiro original e diretor por "Fale com Ela", numa atitude considerada desagravo. Como interpreta a polêmica?
Aranoa - Recebemos com total
alegria a escolha da Academia Espanhola. Parecia-nos que era o filme que mais agradava o público.
Depois, começaram a dizer que
Almodóvar teria mais chances,
porque é conhecido nos EUA e tinha distribuição da Sony Classics.
Penso que a Academia Espanhola
deve escolher o filme que mais lhe
agrada, e não tentar adivinhar o
gosto de Hollywood. Fazer isso
seria delegar o critério.
Folha - Qual sua opinião sobre o
cinema de Almodóvar e, em particular, "Fale com Ela"?
Aranoa - Ele fez muitos filmes.
Alguns me agradam mais do que
outros. "O que Eu Fiz para Merecer Isso?" [84] é um que adoro.
Veja a programação do festival em
www.folha.com.br/especial/2003/festivaldoriobr
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Frases Índice
|