UOL


São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em filme sobre desempreg ados, Fernando Aranoa satiriza os efeitos sociais de uma "nova Europa"

O sol enganador

Divulgação
Luis Tosar (à esq.) e Javier Bardem em cena de "Segunda-Feira ao Sol", de Fernando León de Aranoa



Em entrevista à Folha, premiado diretor espanhol fala sobre a relação entre cinema e política


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Os que não nasceram com a vida ganha, aqueles para quem cada dia é uma pequena odisséia" são os personagens que interessam ao cineasta espanhol Fernando León de Aranoa, 35.
Em "Segunda-Feira ao Sol" -seu terceiro longa, diversas vezes premiado na Espanha (13 troféus) e também no Brasil (quatro Kikitos em Gramado)-, Aranoa trata desses que considera "os heróis gregos modernos".
"São os desempregados e os imigrantes os protagonistas das odisséias de hoje", diz. Com estréia prevista para dia 31 no Brasil, o filme é atração de amanhã no Festival do Rio e está escalado para a Mostra de Cinema de SP, que começa em 16 de outubro.
 

Folha - Você é frequentemente comparado a Ken Loach, autor de um cinema de temática social. A comparação é correta?
Fernando León de Aranoa -
Gosto do cinema de Loach e tenho enorme respeito por ele. Não pergunte a mim o que acho de ser comparado a ele, que começou antes e fez filmes muito melhores. É preciso saber o que ele acha disso.
Gosto também do neo-realismo italiano, por sua capacidade poética e de humor, seu gosto pela comédia elegante, seu respeito pelos personagens. Talvez eu esteja em algum lugar entre os dois.

Folha - Você considera seus filmes mais essencialmente políticos do que a média ou só mais declaradamente políticos?
Aranoa -
A maioria dos filmes, se não todos, são políticos. Há filmes americanos apresentados como pura diversão que são uma tentativa de impor uma forma de pensar. Talvez seja uma estratégia mais poderosa, já que consumimos a produção de Hollywood sem defesa e comendo pipoca.

Folha - O cinema militante não se arrisca a cair no vazio, sendo mais discurso e menos arte?
Aranoa -
O cinema militante não me agrada, parece-me um erro, porque você acaba falando exclusivamente para os que já pensam como você. Prefiro um cinema que não seja militante ou que, ao menos, não pareça [risos]. Quando escrevo, tento não colocar o foco nos discursos, mas sim na emoção dos personagens. Se o discurso é muito evidente, não funciona. Como espectador, quando percebo que estão tentando me doutrinar, logo me rebelo.

Folha - O centro de seu interesse são os personagens?
Aranoa -
Sempre achei que as coisas grandes se escrevem com minúsculas. É possível conseguir, com uma cena de um casal que pede empréstimo num banco, um suspense tão forte como o de um avião em pane. Ou seja, o mesmo nível de tensão que normalmente se obtém com coisas mais espetaculares. A vida está cheia de pequenas situações assim. São elas que traduzem a situação humana. No início, fui um roteirista muito preocupado com a trama. Aos poucos, passei a pensar mais nos personagens, aprendi a respeitá-los, a escutá-los. Eles é que criam a trama. É errado se a trama obriga os personagens a fazer algo.

Folha - Se tornou diretor para que seus roteiros fossem respeitados?
Aranoa -
De certa forma, sim. Vi filmes feitos com roteiros meus em que pensei: isso não era assim. Não porque acrescentaram coisas, mas por uma questão de tom. Algumas frases são tão frágeis e sutis que, dependendo de como sejam ditas, podem ser comédia ou tragédia. Chegou um momento em que eu quis que elas tivessem esse tom dramático, com ligeira sombra cômica.

Folha - Você escreveu o papel de Santa para Javier Bardem?
Aranoa -
Não escrevo pensando num ator. Prefiro imaginar que os personagens têm uma cara e vivem em algum país. Ao ver Javier em "Antes do Anoitecer" [2000], imaginei que, se ele foi capaz de convencer de que era [o poeta cubano] Reinaldo Arenas [1943-90], seria capaz de qualquer coisa.

Folha - A Espanha candidatou seu filme ao Oscar de melhor estrangeiro (2003). A Academia de Hollywood não o selecionou e indicou Almodóvar a melhor roteiro original e diretor por "Fale com Ela", numa atitude considerada desagravo. Como interpreta a polêmica?
Aranoa -
Recebemos com total alegria a escolha da Academia Espanhola. Parecia-nos que era o filme que mais agradava o público. Depois, começaram a dizer que Almodóvar teria mais chances, porque é conhecido nos EUA e tinha distribuição da Sony Classics. Penso que a Academia Espanhola deve escolher o filme que mais lhe agrada, e não tentar adivinhar o gosto de Hollywood. Fazer isso seria delegar o critério.

Folha - Qual sua opinião sobre o cinema de Almodóvar e, em particular, "Fale com Ela"?
Aranoa -
Ele fez muitos filmes. Alguns me agradam mais do que outros. "O que Eu Fiz para Merecer Isso?" [84] é um que adoro.


Veja a programação do festival em www.folha.com.br/especial/2003/festivaldoriobr


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Frases
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.