UOL


São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Nuvens sobre a Espanha

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Em 1996, Fernando León de Aranoa já despontara como boa surpresa do cinema espanhol com a mordaz comédia surrealista "Família". Nesta, um homem solitário, Santiago, presenteava-se, no dia de seu aniversário, com uma família alugada -na verdade um grupo de atores contratados. Claramente inspirado por Luis Buñuel (1900-83), Aranoa ironizava ali a dramaticidade que permeia a relação entre pessoas unidas pelo mesmo sangue.
Em "Segunda-Feira ao Sol", Aranoa constrói outra sátira, também cruel, mas a comparação que pode ser feita não é com o surrealista espanhol e sim com o engajado britânico Ken Loach.
Estamos na Espanha contemporânea, recém-integrada à "nova" Europa, onde a tal modernidade fez suas vítimas. Numa cidade portuária, um grupo de ex-funcionários de um estaleiro fechado reúne-se todos os dias para beber e chorar sua desgraça comum -a falta de empregos e de perspectivas que acompanha a degradação da sociedade em que estavam habituados a viver.
O olhar de Aranoa, porém, é um pouco mais refinado, intimista, e menos panfletário que o do inglês. Os desempregados têm dissecadas suas fraquezas até revelarem-se tipos infantis e desprotegidos. Há aquele de meia-idade que tinge o cabelo para candidatar-se a uma vaga para menores de 30 anos ou o que é sustentado pela mulher, dá escândalos em público e só encontra abrigo na compaixão desta. No centro do grupo está Santa, vivido por um Javier Bardem distante do seu habitual perfil de galã sexy e algo vulgar -celebrizado, principalmente, pelas fitas de Bigas Luna.
Aqui, Bardem é um orgulhoso excluído que ora desafia a justiça, que o condena por quebrar uma luminária, ora leva amigos para uma farra na casa de milionários, onde supostamente teria de estar cuidando da criança da família.
O sucesso de "Segunda-Feira ao Sol" explica-se pelo fato de retratar as incertezas dos espanhóis diante das dificuldades de ajustar o funcionamento da sociedade a um novo compasso. Enquanto seu compatriota Pedro Almodóvar pode ser criticado por mostrar uma Espanha por demais colorida e apolítica, Aranoa oferece o conflito, a preocupação social.
Longe de serem opostos, ambos provocam a reflexão sobre as contradições de um mesmo momento histórico, evocado no título do filme de Aranoa como instante em que as pessoas celebram o sol de um novo amanhã ao mesmo tempo em que se desesperam por ter tanto tempo livre para assisti-lo, e quase nenhuma esperança.


Segunda-Feira ao Sol
Los Lunes al Sol
   
Produção: Espanha, 2002
Direção: Fernando León de Aranoa
Com: Javier Bardem, Luis Tosar



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.