|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A ópera, como Minas, está onde sempre esteve
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Volta e meia, os jornais se referem à ópera com generosidade. Admitem que o gênero "está voltando". Para começo de
conversa, não é bem assim, ou
melhor, nunca foi assim. Em
seu apogeu, a ópera foi consumida apenas por uma elite, pelas camadas aburguesadas,
por alguns segmentos do público que nela viam a melhor síntese do teatro e da música.
E também não é verdade que
a onda está voltando. A ópera,
como Minas Gerais, está onde
sempre esteve. Em sua homenagem foram construídos os
palcos mais suntuosos do
mundo. Ela exigia a solenidade, o ritual luxuoso, o ambiente de lustres e mármores. Mas
nem só disso vive, viveu ou viverá uma ópera.
O declínio nasceu de duas
vertentes: de um lado, a falta
de compositores entusiasmados pelo gênero. De outro, a
ausência de grandes vozes. A
reprodução mecânica, mais
tarde a elétrica e eletrônica,
tornou relativamente fácil a
qualquer fiapo de voz ser ouvido e sentido em enormes recintos, até mesmo a céu aberto. A
ópera não é o berro. Contudo,
ela impõe, olimpicamente, a
bravura de voz, é tecida de momentos altos, repetidos transes
de virtuosismo que se encontram, aliás, em outros gêneros
de arte ou do esporte: numa
"jazz session", numa fuga sinfônica, num drible de futebol,
num salto com vara ou numa
corrida de 100 m.
Não é por aí que a porca torce o rabo. De uma forma ou de
outra, sempre aparecem cantores de peso -e bota peso nisso.
Depois de Caruso, tivemos Gigli, Tagliavini, Di Stefano, del
Monaco. Temos hoje a trindade que ainda gravará "Babalu": Pavarotti, Domingo e
Carreras. No naipe feminino,
sempre aparecem novas Tebaldis, Callas e Frenis. Basta citar
a estonteante Maria Ewing
-que o Glundebourne Festival lançou numa "Carmen"
espetacular: ela canta, dança e
interpreta genialmente, em cena parece uma versão do Michael Jackson misturado com
Demi Moore.
Bem ou mal, despontam divas e divos que dão para o gasto. O diabo é que não mais
aparecem os Puccinis, os Verdis, Bizets, Rossinis, Mozarts e
Wagners. Cronologicamente, a
última grande ópera foi a de
Gershwin, mesmo assim ela
aparece como fruto temporão.
Não fosse o núcleo musical de
"Summertime", talvez saísse
definitivamente do repertório.
Quanto à temática, nunca
houve nem haverá problema
para a ópera. Mozart botou
música em libretos baseados
em autores seus contemporâneos, mas sua obra máxima,
"A Flauta Mágica", é intemporal. Verdi cevou-se em Dumas Filho e Victor Hugo, que
pertenciam ao mesmo século,
mas em sua fase de gênio foi
buscar Shakespeare: os dois se
mereciam. Puccini, o que mais
se adaptou à sua época, o primeiro compositor a escrever
profissionalmente para o público internacional, que colocou em cena o criticado "milk
punch o whisky", que introduziu na ópera o ragtime, o cake-walk, o bolero e o hino nacional norte-americano, encontrou seus melhores momentos em "Turandot" e "Gianni Schicchi" -drama e comédia que se passam séculos antes do nascimento do compositor.
O gosto musical, como qualquer outro gosto, vem, cresce,
atinge o apogeu, torna-se moda -e aí começa a cair até
morrer. O caso da ópera, contudo, não deixa de ser uma exceção. Justamente pela
mão-de-obra que existe de autor, intérpretes, produtores e
cenógrafos, depende de clima
para explodir. É como um
champanhe nobre que não se
bebe a qualquer hora. Necessita espaço e circunstância.
Do ponto de vista mercadológico, o gênero dá a impressão
de estar na bica para estourar.
Por ocasião da última Copa do
Mundo, quando "Nessum
Dorma", de Puccini, foi escolhida como prefixo musical do
evento, muita gente tentou
gostar de "Turandot", mas
não tinha ouvido educado (ou
paciente) para chegar até a cena em que o príncipe garante
vencer o enigma da malvada
princesa Turandot. O que não
impediu que a belíssima ária
liderasse por semanas as paradas musicais em todo o mundo.
Uma "Carmen" remontada
no Rio, com elenco mais do
que sofrível, há coisa de 15
anos esgotou 37 récitas. Pouco
depois, outro Puccini ("La Bohéme") obrigou o Municipal
do Rio a dar cinco récitas extraordinárias e esgotadíssimas
para um público que não se
cansa de ouvir a valsa da Mussetta e a tosse de Mimi.
Conheço gente que volta de
Nova York deslumbrada com
os espetáculos da Broadway:
"Chorus Line", "Os Miseráveis", "O Fantasma da Ópera". São musicais esmerados,
luxuosamente produzidos, na
fórmula bem-sucedida de "My
Fair Lady" e "Show Boat" -
este por sinal remontado com
sucesso há pouco. Vêm e passam. Esgotam-se em si mesmos, no sucesso meteórico e superficial. No entanto, "Carmen", "La Traviata", "Butterfly" e "Tosca" são remontadas em todo o mundo e periodicamente regravadas.
Quem hoje se esbofa para ver
"Chorus Line", que bateu todos os recordes da Broadway?
Mas há fila em todo o mundo,
e sempre, para ouvir a valsa da
Mussetta e a tosse de Mimi.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|