São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002

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Antunes Filho estréia no sábado versão mais enxuta e intimista da tragédia grega de Eurípides em nome do "primado do ator"

A restauração de Medéia

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
A atriz Juliana Galdhino, que protagoniza o espetáculo "Medéia 2", dirigido por Antunes Filho, com estréia no próximo sábado, no Sesc Belenzinho, em São Paulo


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a determinação de uma Medéia, que pede mais um dia, um único dia, para colocar em marcha o plano de vingança (matar seus filhos, um rei e uma princesa noiva de Jasão, que a abandonara), Antunes Filho, 71, retoma o mito outra vez, e não necessariamente a última, para sublimar seu "primado do ator". E do texto.
"É teatro de texto", insiste o encenador com a reportagem. Somos quatro pessoas na platéia vazia para o ensaio corrido de "Medéia 2", ocorrido anteontem, num galpão do Sesc Belenzinho, em São Paulo. A estréia acontece no próximo sábado.
Antunes e o grupo Macunaíma, baseado no Centro de Pesquisa Teatral do Sesc, lidam com as tragédias de Eurípides (495-407 a.C.) há pelo menos quatro anos. Na ordem, "Fragmentos Troianos" (99), adaptação de "As Troianas", e "Medéia" (2001).
"É o prazer de fazer texto bom, sempre, de aprofundar a técnica dos atores cada vez mais", como o encenador justifica o mergulho nos trágicos, desejo de décadas.
"Medéia 2", diz, não é uma veleidade. Ao contrário, quer exercitar o processo de construção e desconstrução, e vice-versa, que é da natureza do teatro.
Assim o fez no antológico "Macunaíma" (78), que ganhou três, quatro versões. Também em "Vereda da Salvação" (em 64 e 93) e "Nelson Rodrigues - O Eterno Retorno" (81), depois "Nelson 2 Rodrigues" (84).
Se "Medéia" trazia filiação com a série "Prêt-à-Porter", lançada em 98, a nova montagem se pretende ainda mais umbilical. Não há o proposital falso naturalismo do projeto paralelo, tampouco os atores são autores do texto ou senhores da encenação. Mas se busca aquela essência.
"Medéia 2" é mais enxuta. O elenco anterior de 22 atores, por exemplo, foi reduzido à metade. Juliana Galdhino (o "h" é adendo da numerologia) segue no papel principal. Os personagens Jasão e Creonte, antes vividos por um mesmo ator, agora são interpretados por Ailton Guedes e Adriano Suto, respectivamente.
O palco é mais próximo da platéia de 99 lugares. A perspectiva é intimista, ao contrário do que ocorria nos grandes anfiteatros da Grécia Antiga. As três paredes do espaço cênico são envolvidas por um pano preto, configurando uma "caixa de surpresas".
Não há efeitos de luz, mas velas. A cenografia é reduzida a um ou outro elemento. O palco está nu, salvo um baú de Medéia e uma pequena "ilha" à esquerda, na boca de cena, que remete aos elementos do fogo, da água, da terra e do ar -recurso também utilizado na primeira versão.
"Gaia agora é mais sutil. A alegoria não é mais descarada", afirma Antunes, que associa o mito de Medéia a Gaia, deusa grega pré-helênica que simbolizava a Terra viva. A vingança da natureza contra o bicho homem.
"Medéia 2" inaugura esta fase de "limpeza" do espaço cênico. A mesma "caixa" envolta em pano preto deverá receber as duas próximas montagens de Antunes: "Um Dia Diferente", de Paulo Santoro, título provisório do primeiro texto oriundo do núcleo de dramaturgia do CPT, e "O Jardim das Cerejeiras", do russo Anton Tchecov.
Não é demais lembrar que, em 2001, Antunes também acenava com mais uma tragédia, desta vez "Prometeu", de Ésquilo.


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