São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2004

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LANÇAMENTOS/DVD

"TABU"

Murnau preserva cinema como enciclopédia do mundo

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando o prodígio alemão F.W. Murnau, na época um dos diretores mais bem pagos de Hollywood, morreu em um misterioso acidente de carro às vésperas da première mundial de "Tabu", a imprensa americana passou a imprimir a lenda. Boatos davam conta de uma maldição: os problemas de Murnau e de sua filmagem no Taiti teriam começado depois de o diretor, ainda que dos mais supersticiosos, ter quebrado tabus locais ao invadir os lugares sagrados dos nativos.
A história de "Tabu" (1931) principiou com uma conversa entre Murnau e David Flaherty, assistente e irmão do papa do documentarismo clássico Robert Flaherty. Murnau comprara um iate, decidido a passar férias em Bali, mas acabou convencido a se aventurar em um filme no Taiti com os irmãos Flaherty. E a financiá-lo com o próprio capital.
Os problemas começaram por aí: quanto mais pobre Murnau ficava, quanto mais gastava na conturbada produção, mais autoritário se revelava, a ponto de levar Robert Flaherty a descrevê-lo como a encarnação do fanatismo germânico -isso, em tempos de ascensão hitlerista.
Em favor de Murnau, os historiadores costumam salientar que Flaherty, além de gastador, era beberrão. O fato é que a relação se desgastou a tal ponto que Murnau acabou por submeter Flaherty, ao final das filmagens, a um contrato em que este se comprometia a não falar mal do filme publicamente. A relação de poder entre os dois diretores era movida, no fundo, por uma divergência de concepção.
Flaherty estava mais interessado nas condições sociais dos nativos. Seu roteiro original centrava-se no comércio de pérolas e na forma como os chineses exploravam a mão-de-obra dos nativos. Murnau, que desembarcara na Polinésia cheio de livros de Stevenson, Conrad e Melville, estava mais interessado na pureza perdida daqueles nativos aculturados. Sua visão das coisas era, para Flaherty, demasiado romantizada e artificial.
Mas o fato é que "Tabu" acabou por se consagrar como um dos últimos filmes mudos a fazer sucesso na era do cinema falado. Talvez por ser a expressão dessa inocência perdida, por preservar um ideal caro ao primeiro cinema e ao próprio documentarismo de Flaherty, o ideal do cinema como enciclopédia do mundo.
Com relação aos extras, além de cenas excluídas do filme, acompanhadas de comentários sobre a produção, o DVD (duplo) traz um pequeno documentário sobre a incrível história de Reri, a jovem taitiana que protagoniza o filme e cuja inocência foi também ela perdida.
Depois de "Tabu", Reri tornou-se, como bailarina, atração da Broadway e dos palcos do mundo inteiro antes de se meter num beco sem saída na Polônia.


Tabu
Tabu: A Story of the South Seas
    
Direção: F.W. Murnau
Produção: EUA, 1931
Com: Matahi Hitu, Anna Chevalier, Jean Jules
Quanto: R$ 40, em média
Distribuidora: Continental



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