São Paulo, segunda-feira, 07 de novembro de 2005

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Documentário aborda o amor e o ódio a Bob Dylan

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Nasci muito distante de onde eu deveria estar, então estou voltando para casa", diz Bob Dylan logo no começo de "No Direction Home", o documentário dirigido por Martin Scorsese que reconta a história do cantor, destacando o período entre 1961 e 1966 -de seu surgimento como cantor folk até o momento em que é tachado de "Judas" por se apresentar tocando rock e com uma banda.
O filme, de quase três horas e meia, estréia no Brasil no encerramento do Recine, no Rio, na próxima sexta (11/11), às 21h. Ao longo dele, o espectador vai sendo apresentado ao complexo personagem que é Robert Zimmerman, desde sua infância no interior dos Estados Unidos até sua transformação no ídolo Bob Dylan e, depois, no traidor dos anseios de uma geração, por ousar seguir seu caminho alheio ao maniqueísmo da política que se refletia na sociedade da década de 1960.
A obra de Scorsese é uma coleção de raridades: desde a oportunidade de ouvir Dylan falando sobre si mesmo abertamente -ou tão claramente quanto ele consegue- até as cenas de apresentações históricas do cantor, como a de 21 de maio de 1966, em Newcastle (Inglaterra), quando boa parte da platéia vaia ruidosamente a música "Like a Rolling Stone".
O título do filme ("sem o rumo de casa", em português) é tirado de um verso da canção ("how does it fell / to be on your own,/ with no direction home?", que pode ser traduzido para "como é / estar sozinho,/ sem o rumo de casa?" ), que simboliza também o auge da "traição" de Dylan em relação a seu passado folk: é uma música elétrica, com guitarra e órgão, e com uma letra que foi, então, interpretada como individualista e egoísta -o exato oposto do que os cantores e fãs de músicas de protesto achavam que Dylan fazia e deveria continuar fazendo.
Os depoimentos dos fãs logo após o concerto de Newport deixam claro o tamanho do estrago. "Ele ficou comercial, com aquele grupo de apoio (...). Acho que ele está cedendo a uma espécie de gosto popular. Acho que ele está se prostituindo", diz um deles.
"Um artista precisa se cuidar para nunca chegar a um ponto em que ele acha que já viu tudo. Tem sempre que entender que deve ficar constantemente em transformação", defende-se Dylan, brandindo o estilo "pedra rolante" que mantém o rock se movendo.
Outro grande momento do filme destaca as turbulentas relações de Dylan com a mídia, muitas vezes inconveniente (e outras realmente irritante) em sua avidez por entender e rotular.
O filme de Scorsese é nitidamente uma obra de fã, mas não se exime de mostrar que o ídolo é, antes de tudo, humano. Mentiras, o roubo de uma coleção de discos de um amigo, o egoísmo e a desconsideração com sua namorada da época, a cantora Joan Baez, tudo aparece no documentário. No fim, emerge um Bob Dylan mais compreensível, em sua viagem de volta para lugar nenhum.

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