São Paulo, terça-feira, 07 de novembro de 2006

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Memória

Melancolia marcou vida de William Styron

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Os antigos textos de psiquiatria falavam do ômega melancólico, uma ruga com o formato da letra grega que aparece na testa de deprimidos. Estudante de medicina e médico, nunca tinha visto este sinal até encontrar, numa feira do livro no México, o escritor norte-americano William Styron, morto na última quarta, aos 81 anos. Ali estava, em sua fronte, o ômega.
A melancolia marcou a vida do grande escritor desde a infância. O pai sofria de depressão; a mãe morreu cedo de câncer. O próprio Styron passou por um surto depressivo quando ia receber, em Paris, um prêmio literário. Aflitiva experiência que descreve no curto mas dilacerante "Perto das Trevas" ("Darkness Visible", 1990).
Styron mostra como a depressão, longe de ser a "preguiça emocional" que aparenta, é na verdade um tormento constante, uma "tempestade uivando no cérebro", para usar as suas próprias palavras. Não por coincidência, a primeira novela de Styron, publicada aos 25 anos, logo depois que ele se graduou na Duke University, também fala em escuridão: é "Lie Down in Darkness" (1951), a história de uma infeliz família da Virginia que culmina com o suicídio da jovem protagonista.

"A Escolha de Sofia"
Mas Styron é mais conhecido por dois importantes romances: "As Confissões de Nat Turner" ("The Confessions of Nat Turner", 1967, premiado com o Pulitzer), baseado na vida do escravo que, em 1831, liderou uma revolta no Sul dos EUA; e, sobretudo, "A Escolha de Sofia" ("Sophie's Choice", 1979), levado às telas com sucesso no filme de Alan Pakula. O romance se passa nos EUA e gira em torno de três personagens: a católica polonesa Sophie, seu amante judeu, Nathan, e o jovem Stingo, que está apaixonado por Sophie. A escolha do título refere-se a uma passagem dramática: no campo de concentração, Sophie, que está com o filho e a filha, recebe de um guarda a "chance" de salvar uma das crianças, mas só uma (daí a escolha). Já em "As Confissões" há uma passagem polêmica, quando o escravo fantasia que está violentando uma mulher branca.
Intelectual presente nos acontecimentos de seu tempo, Styron participou da Segunda Guerra e da Guerra da Coréia e viveu em Paris, onde fundou, com Romain Gary, George Plimpton, Peter Matthiessen, James Baldwin, James Jones e Irwin Shaw a influente revista literária "Paris Review".
O ômega é a última letra do alfabeto grego, e a expressão "alfa e ômega" significa o começo e o fim. No caso de Styron, o ômega foi melancólico, porque a melancolia marcou indelevelmente sua obra. Obra significativa, que reflete os grandes dilemas morais do século 20, e que assegura o lugar de William Clark Styron na literatura de nosso tempo.


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