São Paulo, sábado, 7 de novembro de 1998

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LITERATURA - CRÍTICA
Cony escancara as janelas de sua memória

AMIR LABAKI
de Nova York

Três vezes rodou por minhas mãos o exemplar para resenha de "Os Anos Mais Antigos do Passado", nova antologia de crônicas de Carlos Heitor Cony, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha. Nas duas primeiras, foi para leitura compulsiva, algo paradoxal para reunião de textos que nasceram majoritariamente para serem sorvidos gota a gota, junto ao café de todas as manhãs. A terceira foi minutos atrás, fonte de notas para este artigo.
Lê-se de sentada "Os Anos", pois apenas aparentemente se trata de uma coletânea do cronista. Cony arquitetou seu livro com a mesma estudada descontração com que organiza seus textos. Todo cronista é o personagem principal de suas crônicas, ainda que dissimuladamente. Cony frisa isso ao organizar em "Os Anos" uma espécie de autobiografia em pílulas, encadeando textos já publicados da mesma forma como cotidianamente articula palavras.
Não há lugar, claro, para escritos datados por temas da circunstância. Aqui não tem "quase". É tudo memória. Cony se oferece por inteiro nessas páginas. A infância num Rio que sobreviveu apenas como lembrança, o mutismo até os cinco anos, a marcada religiosidade que o conduz ao seminário, o fascínio pelo jornalismo herdado do pai, uma vida na profissão, combinada com a válvula de escape da literatura, a militância anti-64, a maturidade desinfeliz -está tudo aqui, da forma fragmentária e associativa com que se impõem as lembranças. Por meio da escrita, esse cronista anti-social nos oferece um mundo e o toma para si. É assim com o Rio antigo e a antiguíssima Itália, com carnavais e festas juninas, com cruzeiros de navio e leituras de jornal.
Não resistem inexpugnáveis nem mesmo nossas relações mais íntimas com nossos pais, amores da vida ou -passe- animais de estimação. A cada releitura do mundo, mesmo inconscientemente, passamos a partilhar algo da mirada lançada através da janela pelo ex-menino Carlos Heitor Cony.
˛

Livro: Os Anos Mais Antigos do Passado Autor: Carlos Heitor Cony Lançamento: Record Quanto: R$ 20 (251 pág.)



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