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Em suas análises curtas, poeta e ensaísta reafirma na obra a necessidade de fazer uma forma forte da arte
Livro reúne textos que "pegaram na veia" de Gullar
DO ENVIADO AO RIO
Leia a seguir mais trechos da
entrevista com Ferreira Gullar.
(CEM)
Folha - Os artistas de "Relâmpagos" são seu cânone ou são os artistas sobre os quais o sr. acredita ter
feito melhores análises?
Ferreira Gullar - Acho que uma
coisa é ligada à outra. Você sente
quando escreve algo com muita
identificação. O texto que pega na
veia é aquele que reflete que a
obra te pegou na veia também.
Não fiz seleção de meus artistas
prediletos. Mas de alguma maneira os que estão no livro o são.
Folha - Por que o sr. não escreveu
nada sobre os modernistas brasileiros? Não te pegam na veia?
Gullar - Não é isso, é que este livro não foi escrito de caso pensado. Foi escrito pela emoção. Não
fiz assim: fulano entra, outro não.
Entra quem me comoveu e me fez
escrever coisas de que gostei.
Folha - Em ensaio sobre Emygdio
de Barros (1895-1986) o sr. chama
esse interno do hospital psiquiátrico d. Pedro 2º, no Rio, de "um dos
raros gênios da pintura brasileira".
Quem são os outros?
Gullar - A palavra gênio eu não
gosto muito de usar, não. Mas é
que Emygdio é excepcional, e gênio conota uma excepcionalidade
que não está apenas no nível da
qualidade da arte. Mas há artistas
que são muito talentosos. O Iberê
Camargo é de um talento fora do
comum. Siron Franco também.
Folha - Com seu texto sobre "Guitarra", de Picasso, o sr. volta a uma
questão marcante de sua obra: "O
material pode ser nobre ou pobre,
não importa, mas a forma, qualquer que seja, tem que se impor à
nossa visão por sua expressividade, tem que se destacar entre todas
as formas pela força inusitada que
só os verdadeiros artistas sabem
imprimir à matéria do mundo".
Não existe arte de ímpeto sem forma forte?
Gullar - A emoção você tem em
qualquer situação. Mas para
transformar uma emoção ou uma
experiência de vida em arte é necessário que isso ganhe forma. E
aí está a originalidade da obra. Se
você é Picasso, vai criar uma forma contundente. Renoir criaria
uma forma doce. A forma se impõe por uma energia que está
dentro dela.
Folha - Falando em forma, por
que o sr. optou em "Relâmpagos"
por ensaios tão curtos?
Gullar - Sempre tive tendência
de escrever pouco. Não gosto de
escrever muito. Sobretudo quando se trata de arte. Não escrevo
mais de dez laudas sobre artista
nenhum. Estaria correndo risco
de dizer coisas desnecessárias. No
Brasil, existe a mania de escrever
livros enormes de arte. Calhamaços que ninguém lê. Gosto de reflexão efetiva, não embromação.
É chato ficar fazendo literatices
sobre as coisas.
Folha - O livro praticamente não
tem citações. Citação é literatice?
Gullar - Sou um leitor contumaz
de teoria artística e crítica, de história da arte. Posso dizer que ao
longo de minha vida li muito mais
sobre arte do que sobre literatura.
Mas só gosto de usar certos pensamentos que são tão lapidares
que ficam em minha cabeça, sobretudo frases de artistas.
Folha - O livro é bastante claro. O
sr. teve algum esforço por fazer algo simplificado, educativo?
Gullar - Nunca penso nisso. Se
você observar meus textos sobre
arte, verá que são sempre muito
claros. Não é que queira vender
barato. É que eu procuro pensar
claro. Aquilo que não está claro
para mim acho que não ficará para o outro, então não embromo.
Tenho lido textos sobre arte que
duvido que quem fez entenda.
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