São Paulo, sábado, 07 de dezembro de 2002

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Em suas análises curtas, poeta e ensaísta reafirma na obra a necessidade de fazer uma forma forte da arte

Livro reúne textos que "pegaram na veia" de Gullar

DO ENVIADO AO RIO

Leia a seguir mais trechos da entrevista com Ferreira Gullar. (CEM)

Folha - Os artistas de "Relâmpagos" são seu cânone ou são os artistas sobre os quais o sr. acredita ter feito melhores análises?
Ferreira Gullar -
Acho que uma coisa é ligada à outra. Você sente quando escreve algo com muita identificação. O texto que pega na veia é aquele que reflete que a obra te pegou na veia também. Não fiz seleção de meus artistas prediletos. Mas de alguma maneira os que estão no livro o são.

Folha - Por que o sr. não escreveu nada sobre os modernistas brasileiros? Não te pegam na veia?
Gullar -
Não é isso, é que este livro não foi escrito de caso pensado. Foi escrito pela emoção. Não fiz assim: fulano entra, outro não. Entra quem me comoveu e me fez escrever coisas de que gostei.

Folha - Em ensaio sobre Emygdio de Barros (1895-1986) o sr. chama esse interno do hospital psiquiátrico d. Pedro 2º, no Rio, de "um dos raros gênios da pintura brasileira". Quem são os outros?
Gullar -
A palavra gênio eu não gosto muito de usar, não. Mas é que Emygdio é excepcional, e gênio conota uma excepcionalidade que não está apenas no nível da qualidade da arte. Mas há artistas que são muito talentosos. O Iberê Camargo é de um talento fora do comum. Siron Franco também.

Folha - Com seu texto sobre "Guitarra", de Picasso, o sr. volta a uma questão marcante de sua obra: "O material pode ser nobre ou pobre, não importa, mas a forma, qualquer que seja, tem que se impor à nossa visão por sua expressividade, tem que se destacar entre todas as formas pela força inusitada que só os verdadeiros artistas sabem imprimir à matéria do mundo". Não existe arte de ímpeto sem forma forte?
Gullar -
A emoção você tem em qualquer situação. Mas para transformar uma emoção ou uma experiência de vida em arte é necessário que isso ganhe forma. E aí está a originalidade da obra. Se você é Picasso, vai criar uma forma contundente. Renoir criaria uma forma doce. A forma se impõe por uma energia que está dentro dela.

Folha - Falando em forma, por que o sr. optou em "Relâmpagos" por ensaios tão curtos?
Gullar -
Sempre tive tendência de escrever pouco. Não gosto de escrever muito. Sobretudo quando se trata de arte. Não escrevo mais de dez laudas sobre artista nenhum. Estaria correndo risco de dizer coisas desnecessárias. No Brasil, existe a mania de escrever livros enormes de arte. Calhamaços que ninguém lê. Gosto de reflexão efetiva, não embromação. É chato ficar fazendo literatices sobre as coisas.

Folha - O livro praticamente não tem citações. Citação é literatice?
Gullar -
Sou um leitor contumaz de teoria artística e crítica, de história da arte. Posso dizer que ao longo de minha vida li muito mais sobre arte do que sobre literatura. Mas só gosto de usar certos pensamentos que são tão lapidares que ficam em minha cabeça, sobretudo frases de artistas.

Folha - O livro é bastante claro. O sr. teve algum esforço por fazer algo simplificado, educativo?
Gullar -
Nunca penso nisso. Se você observar meus textos sobre arte, verá que são sempre muito claros. Não é que queira vender barato. É que eu procuro pensar claro. Aquilo que não está claro para mim acho que não ficará para o outro, então não embromo. Tenho lido textos sobre arte que duvido que quem fez entenda.


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