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"OS SERTÕES - PRIMEIRA PARTE - A TERRA"
Estréia hoje montagem do grupo baseada na obra de Euclydes da Cunha
Com "Os Sertões", o Oficina funda o TBI
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Você ouve um tambor. A
peça vai começar. As portas
do teatro se abrem. São azuis. Oficina Paraíso, teatro Oficina. Os
atores de branco vêm te buscar.
Dançando e cantando. Você dança também e entra com eles já
transformado num personagem
da peça, já tomado pelo drama de
Canudos. Antes de tudo, é preciso
respirar. O público zen respira e
vê o chão de cimento coberto de
areia. Com isso, se transporta para o sertão.
E o que é isso que você vê? Peça
de teatro? Ópera? Que pergunta,
ora... Renuncia à convenção e deixa a poesia estar, o ritual acontecer. Bate tambor. Com Marcelo
Drummond, você repete: "Hop,
hop, hop, ho o o". Até ele entrar
no papel do narrador e dizer: ""Os
Sertões" foram escritos por Euclydes da Cunha nos raros intervalos
de folga... Irritam-me as meias-verdades que não passam de
mentiras... Autores que citam os
fatos, mas desfiguram a alma...
Quero ser bárbaro entre os bárbaros. Antigo entre os antigos".
Com isso, expressa e assume a estética do Oficina, que quer a alma
do texto e ganha porque faz bater
o coração.
A peça começa, contando que
no início era a viagem. Ia Euclydes
se deslocando, descobrindo a terra brasileira. Como o narrador, os
atores se deslocam, e você viaja
até ver um casal. A que veio? Você
só entende depois. Como sempre,
nas peças do Zé, na vida, na psicanálise. Entende que o casal simboliza o drama pessoal de Euclydes e
Conselheiro, abandonados pelas
suas mulheres.
Você ouve a língua suntuosa do
escritor. E redescobre que o tesouro da língua está acima de tudo. Graças a este Teatro Brasileiro
da Inclusão, o TBI, onde as meninas e os meninos lindos do Bexiga
rebolam dizendo o texto em alto e
bom som.
A universidade baniu a literatura, o teatro incluiu e vai educar.
Vários são os atores que encarnam o Conselheiro para contar a
história do seu renascimento no
sertão. De cajado e lençol branco.
Você ouve repetidamente a palavra caatinga e descobre como ela é
linda. A palavra feita nota musical.
Zé Celso, como Lula, é um educador. O que ele ensina é o Brasil.
Como Euclydes, que estranhou
tudo no sertão e lamentou a falta
de uma formação prática -que o
ensinamento acadêmico não lhe
deu e não dá. Como não pensar
em Lula, que nunca foi à escola e
se tornou presidente do Brasil?
Formou-se na escola da vida.
No fim entra o outro agente
geológico notável que Euclydes
havia esquecido de mencionar: o
homem. E a peça culmina. Você
assiste ao rito do homem nu, o índio que apaga o fogo com o próprio corpo, as brasas com a sola
dos pés. Medo. Será que este teatro não vai pegar fogo? Pega simbolicamente, com uma foda ao
som de um violino. O texto continua: "As montanhas que me norteiam balizando a marcha das
bandeiras em busca do Eldorado". A terra é então simbolizada
por uma mulher com quem
Euclydes fode ao som de uma
sanfona. Após ter dito: "Adeus,
Bexiga". Referência a Silvio Santos. E os atores começam a apunhalar o chão. Referência ao drama da terra na modernidade.
O texto se torna satírico: "Não
vamos fazer miríades de poços artesianos. Vamos continuar as
obras do Minhocão". Zé Celso-Conselheiro sugere que o espectador não seja um Pôncio Pilatos,
lambuze, em vez de lavar as mãos.
Assim, seguido pelos 40 atores,
atravessa o corredor e desaparece
nos bastidores. Você fica com a
imagem de um ator que leva uma
placa onde se lê: "Rua Canudos".
O silêncio é sagrado. Sacraliza até
o barulho do trânsito, a rua Jaceguai e São Paulo, Tão Paulo, Tão.
Betty Milan é escritora e psicanalista,
autora de "O Clarão"
Leia a íntegra do texto na Ilustrada Online (www.folha.com.br/ilustrada)
OS SERTÕES - PRIMEIRA PARTE - A
TERRA. De: Euclydes da Cunha.
Adaptação e direção: Zé Celso Martinez
Corrêa. Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai,
520, tel. 3104-0678). Quando: sáb. e
dom., às 18h. Quanto: R$ 30. Até 23/12.
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