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Em oito anos, governo FHC injetou cerca de R$ 4 bilhões no mercado editorial brasileiro
Páginas de uma era
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
O mercado editorial, que tropeça na crise como a maioria dos setores da economia brasileira, teve
um bom amparo do contribuinte:
o governo FHC injetou, em oito
anos, mais de R$ 4 bilhões na
compra de livros por meio do Ministério da Educação.
As aquisições triplicaram: se,
em 1992, foram comprados 44,4
milhões, em 2001 foram 116,5 milhões de exemplares. Elas equivalem a 25% do faturamento médio
do mercado. Foi distribuída a cifra de 1 bilhão de livros. Na média,
cada brasileiro herdou seis livros.
Com o intuito de moralizar um
setor considerado crítico, o ministro da Educação, Paulo Renato
de Souza, instituiu comissões independentes, que levaram a estudantes dos confins obras como as
de Oscar Wilde e Hemingway.
"Nós limpamos. Mudamos o
método, passamos a respeitar a
escolha da escola e criamos a avaliação, que deu a mudança radical. Essa foi a chave para impedir
a corrupção", diz Paulo Renato.
Estudantes receberam pacotes
de cinco livros: um de poesia, um
de contos, um de literatura brasileira, um de estrangeira e uma peça de teatro. Professores e bibliotecas escolares receberam livros
de autores contemporâneos, como Vinicius de Moraes e J.J.Veiga, e de críticos, como José Ramos
Tinhorão e Roberto Schwarz.
Pedro Paulo de Senna Madureira, que vendeu ao governo, entre
outros, "Quinze", de Rachel de
Queiroz, comenta: "Não entro no
mérito da escolha, porque é sempre discutível. Pagaram corretamente, com preços muito inferiores. Negociaram de maneira dura.
Vale a pena para a editora e para
os autores, pois você ganha menos financeiramente, mas muito
politicamente, e leva livros para
lugares que você nunca chegaria".
A ordem era preço baixo. Segundo Ana Emília, que fecha os
contratos da editora Mandarim, o
governo exigia, em 2001, descontos de 60% e, em 2002, de 70%.
Quanto à avaliação dos livros,
há exemplos como o de "Realidade e Vida" (Editora Lê), que afirmava que "na boca encontramos
amígdalas" (amígdalas ficam na
garganta), enquanto uma figura
indicava as glândulas salivares como amígdalas. Já "O Município
de Petrópolis" (Livro Técnico),
sobre escravidão, concluía:
"Quando o senhor, isto é, o proprietário do escravo, tinha bom
coração, tratava bem seus escravos. Quando era mau, submetia-os a maus-tratos corporais".
"Começamos a avaliar os livros,
onde encontramos verdadeiras
barbaridades de preconceito, erros factuais, interpretações tendenciosas. Isso estabeleceu um
padrão para as editoras", afirma o
ministro Paulo Renato.
"Tivemos comissões de 60 pessoas, com um representante de
cada secretaria estadual. Mas
quem escolheu foi a comissão nacional e a escola. E a lista para os
professores foi feita pela Academia Brasileira de Letras", explica.
Para Raul Wassermann, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o aumento de compras
do governo é positivo, mas não
para todos. "Muitos continuam
em crise, especialmente as livrarias, mas os programas de governo federal, estadual e até municipal foram importantes para segurar o mercado. As editoras de livros didáticos do Brasil se tornaram grandes. O problema é que a
grande maioria fica de fora", diz.
No passado, 25 editoras forneciam livros para o governo. Hoje,
são 150, mas há ainda 300 de fora.
E Wassermann faz outra ressalva: "O garoto do Rio Grande do
Sul é obrigado a ler a mesma coisa
que o da Amazônia. Portanto, a
diversidade cultural é zero".
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