São Paulo, sábado, 07 de dezembro de 2002

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Em oito anos, governo FHC injetou cerca de R$ 4 bilhões no mercado editorial brasileiro

Páginas de uma era

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

O mercado editorial, que tropeça na crise como a maioria dos setores da economia brasileira, teve um bom amparo do contribuinte: o governo FHC injetou, em oito anos, mais de R$ 4 bilhões na compra de livros por meio do Ministério da Educação.
As aquisições triplicaram: se, em 1992, foram comprados 44,4 milhões, em 2001 foram 116,5 milhões de exemplares. Elas equivalem a 25% do faturamento médio do mercado. Foi distribuída a cifra de 1 bilhão de livros. Na média, cada brasileiro herdou seis livros.
Com o intuito de moralizar um setor considerado crítico, o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza, instituiu comissões independentes, que levaram a estudantes dos confins obras como as de Oscar Wilde e Hemingway.
"Nós limpamos. Mudamos o método, passamos a respeitar a escolha da escola e criamos a avaliação, que deu a mudança radical. Essa foi a chave para impedir a corrupção", diz Paulo Renato.
Estudantes receberam pacotes de cinco livros: um de poesia, um de contos, um de literatura brasileira, um de estrangeira e uma peça de teatro. Professores e bibliotecas escolares receberam livros de autores contemporâneos, como Vinicius de Moraes e J.J.Veiga, e de críticos, como José Ramos Tinhorão e Roberto Schwarz.
Pedro Paulo de Senna Madureira, que vendeu ao governo, entre outros, "Quinze", de Rachel de Queiroz, comenta: "Não entro no mérito da escolha, porque é sempre discutível. Pagaram corretamente, com preços muito inferiores. Negociaram de maneira dura. Vale a pena para a editora e para os autores, pois você ganha menos financeiramente, mas muito politicamente, e leva livros para lugares que você nunca chegaria".
A ordem era preço baixo. Segundo Ana Emília, que fecha os contratos da editora Mandarim, o governo exigia, em 2001, descontos de 60% e, em 2002, de 70%.
Quanto à avaliação dos livros, há exemplos como o de "Realidade e Vida" (Editora Lê), que afirmava que "na boca encontramos amígdalas" (amígdalas ficam na garganta), enquanto uma figura indicava as glândulas salivares como amígdalas. Já "O Município de Petrópolis" (Livro Técnico), sobre escravidão, concluía: "Quando o senhor, isto é, o proprietário do escravo, tinha bom coração, tratava bem seus escravos. Quando era mau, submetia-os a maus-tratos corporais".
"Começamos a avaliar os livros, onde encontramos verdadeiras barbaridades de preconceito, erros factuais, interpretações tendenciosas. Isso estabeleceu um padrão para as editoras", afirma o ministro Paulo Renato.
"Tivemos comissões de 60 pessoas, com um representante de cada secretaria estadual. Mas quem escolheu foi a comissão nacional e a escola. E a lista para os professores foi feita pela Academia Brasileira de Letras", explica.
Para Raul Wassermann, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o aumento de compras do governo é positivo, mas não para todos. "Muitos continuam em crise, especialmente as livrarias, mas os programas de governo federal, estadual e até municipal foram importantes para segurar o mercado. As editoras de livros didáticos do Brasil se tornaram grandes. O problema é que a grande maioria fica de fora", diz.
No passado, 25 editoras forneciam livros para o governo. Hoje, são 150, mas há ainda 300 de fora.
E Wassermann faz outra ressalva: "O garoto do Rio Grande do Sul é obrigado a ler a mesma coisa que o da Amazônia. Portanto, a diversidade cultural é zero".


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