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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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CRÍTICA

O fim do futuro utópico

ALEXANDRE MATIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Debruçado em Dashiel Hammett e Raymond Chandler, William Gibson conduz a ação de seu primeiro romance tecendo descrições e monólogos interiores, à medida que assume sua cumplicidade com a rua. Mas isso é só metade da tensão de "Neuromancer". A outra metade é definida nos cortes rápidos e no ritmo de texto, influência dos cut-ups de William Burroughs e da narrativa fragmentada dos livros apocalípticos de John Brunner.
Relacionando universos marginais idos e a acontecer, "Neuromancer" parece sintetizar o fim do futuro Jetsons -clean e utópico- melhor do que seus contemporâneos. E isso colocando-o ao lado de nomes de peso pop, como o noir "Blade Runner" e os filmes de ação "Robocop" e "O Exterminador do Futuro". O fato de ter sido publicado no orwelliano 1984 foi apenas uma cereja em sua lista de feitos. A obra também foi a primeira a ganhar os três principais prêmios da ficção científica.
Mas, mais do que um corre-corre pós-tecnófilo fora-da-lei, a obra atravessa pela primeira vez um estado de consciência antes apenas cogitado pela ficção: a interiorização do inconsciente humano. Batizando esse universo de "ciberespaço", Gibson atravessa a barreira final da consciência individualista fragmentada do romance do século 20 e tenta desvendar a consciência coletiva.
"Uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as nações, por crianças aprendendo altos conceitos matemáticos...", descreve, entre a minúcia de inspeção e o dialeto de mídia.
A nova edição de "Neuromancer" (que repara a terrível tradução da primeira versão) não só supre a ausência do título no Brasil, como abre um precedente editorial para o mercado de ficção científica por essas bandas. O gênero, que sempre esteve em segundo plano aqui, nunca teve algumas obras fundamentais vertidas para cá. Eis uma oportunidade para trazer o metaverso de "Snow Crash", de Neal Stephenson, ou mesmo a coletânea "Mirrorshades", organizada por Bruce Sterling em 1986. E até mesmo clássicos há tempos longe das prateleiras, como Ballard, Burroughs, K. Dick, os fins de mundo imaginados por John Brunner...


Neuromancer
    
Autor: William Gibson
Editora: Aleph
Quanto: R$ 39 (309 págs.)


O jornalista Alexande Matias traduziu a coletânea "Futuro Proibido" (ed. Conrad)


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