São Paulo, terça-feira, 07 de dezembro de 2004

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MÚSICA

Pedro Alexandre Sanches vasculha universo do cantor em "Como Dois e Dois São Cinco", que tem lançamento hoje

Livro revê a trajetória de Roberto Carlos

Reprodução
Em foto de 1968, Roberto Carlos deixa o aeroporto de Viracopos, em Campinas, em seu Jaguar


ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Depois de dissecar cerebralmente o cânone central da MPB dos festivais da Record para cá em seu primeiro livro ("Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba", 2000), o repórter e crítico da Folha Pedro Alexandre Sanches dedica-se a um território pouco visitado e muito menos compreendido. Burilando sobre canções e discografias como artefatos de uso pessoal de seus objetos de estudo, Sanches deixa de lado as verdadeiras bíblias de referências que eram os álbuns de Caetano, Chico, Paulinho, Jorge e Gil. Parte para abismo desconhecido, de traumas, superstições e caprichos, de um universo mais denso e vasto: Roberto Carlos.
"Como Dois e Dois São Cinco" (editora Boitempo; R$ 68; 398 págs.) não apenas se deita sobre todos os discos do monarca da canção, como se apóia em sua corte direta, as obras completas de Erasmo Carlos e Wanderléa, para melhor compreender o legado do velho garoto de Cachoeiro de Itapemirim. É um relato triste e impiedoso, não por ser cerebral justamente -pelo contrário.
A escolha por Roberto Carlos se deu por importância, já que Sanches o considera "em termos de volume, quantidade, presença e popularidade, o maior artista da história do Brasil". "Se formos falar sobre presença estética e artística, acho que estamos só engatinhando na nossa capacidade e vontade de compreender a extensão e a complexidade dele para a cultura brasileira. Roberto não tem um tamanho, mas todos, que sua estatura é a de qualquer brasileiro. Esse é seu segredo: ele é igualzinho a qualquer um de nós. Ele é meio um Lula da música popular. É o sujeito mais banal e normal do mundo, com dores e angústias que todo mundo conhece estampadas no rosto e na voz. Talvez por isso mesmo tenha se transformado num ícone de massas, num símbolo fortíssimo, onipresente", explica.
Sanches parte para tal missão com preparativos extras. Não é uma viagem para fora, e sim um mergulho na alma brasileira, uma jornada ao centro da Terra -e, para isso, ele se equipa de uma ferramenta pouco usual em suas incursões: a emoção. Ao ser confrontado de forma direta por um amigo sobre o dúbio território que caminhava em seu primeiro livro ("aquilo ali é ficção, né?", pergunta-o no prefácio), Sanches assume o papel intrinsecamente subjetivo de sua leitura e intercala sua narrativa central com capítulos em ficção, em que encarna personagem ora conhecidos, ora anônimos, para conceituar, informalmente, a atmosfera em que cada período analisado se localiza. Desnecessários, tais capítulos (em itálico) podem ser pulados, mas revelam uma faceta inconsciente do autor -entre "Panamérica" e a América beat-, que se fragiliza em público para melhor entender o Rei.
"Não é um livro de ficção, como também não é um livro de fatos", Sanches explica melhor. "A crítica mais freqüente que ouvi sobre meu primeiro livro foi que eu fazia interpretações delirantes num tom de quem tinha absoluta certeza de que era exatamente como tudo tinha acontecido mesmo. Tento corrigir essa rota agora, testando brincadeiras que indiquem que uma interpretação de determinada coisa é igual e tem tanto valor quanto todos os outros zilhões de interpretações que essa mesma coisa pode ter, a gosto do freguês."
Se falta a "Como Dois e Dois" a arrogância afirmativa do primeiro livro, sobra a emotividade exagerada, como há de convir. Por vezes, o livro soa lacrimoso e cheio de choramingos, e esta característica o equivale a Roberto Carlos -não existe emoção calculada, racional. Exposto, Sanches desce do pedestal da crítica e aponta o dedo para si mesmo: "Este livro é uma grande declaração de amor a você, Roberto", diz à abertura. E, como todas as grifes que lidam com o amor (Jesus Cristo, Beatles, "Star Wars", RC -a lista não tem fim), é provável que "Como Dois e Dois..." atinja um público ainda maior que o (pequeno) do primeiro livro.

COMO DOIS E DOIS SÃO CINCO - Lançamento do livro de Pedro Alexandre Sanches, hoje, no teatro da USP (r. Maria Antonia, 294, Vila Buarque, SP, tel. 0/xx/11/3259-8342), às 19h. Quanto: entrada franca.


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