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Crítica/DVD/"Jogo de Cena"
Coutinho deixa o espectador sem chão
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Diante de uma câmera,
todo indivíduo se
transforma em um ator,
mesmo que exponha suas verdades mais íntimas e profundas. Essa idéia, esboçada em
obras anteriores de Eduardo
Coutinho, como "Santo Forte"
e "Edifício Master", ganha uma
evidência incontornável em
seu documentário mais recente, "Jogo de Cena", que chega
agora ao DVD.
O ponto de partida do filme
foi um anúncio de jornal, em
que o cineasta convidava mulheres a falar, num estúdio, sobre suas vidas. Oitenta e três se
apresentaram, 23 foram selecionadas e filmadas em junho
de 2006 no teatro Glauce Rocha, no Rio.
Se Coutinho já encarava seus
entrevistados como "personagens", em "Jogo de Cena" ele dá
mais uma volta no parafuso,
misturando depoimentos de
mulheres "comuns" com falas
de atrizes que reproduzem as
mesmas histórias narradas por
aquelas.
Algumas dessas atrizes são
muito famosas -Andréa Beltrão,
Fernanda Torres, Marília Pêra-,
outras são desconhecidas do
público, quase anônimas. O
efeito desse ardiloso embaralhamento é deixar o espectador
sem chão, em dúvida sobre
quais histórias são verdadeiras,
quais são inventadas, e sobre
quem, afinal, viveu o quê.
Os extras do DVD, ao exibir
as entrevistas prévias das selecionadas com a assistente do
diretor, Cristiana Grumbach,
revelam que o jogo foi além: há,
entre as depoentes, uma que
conta a história de outra, que
por sua vez narra uma terceira
história, que já não sabemos
mais a quem pertence.
De certo modo, ver e ouvir
esses depoimentos de bastidores é um pouco como desmontar o brinquedo para descobrir
como funciona, e a sensação se
reforça com a já tradicional
"faixa comentada", em que
Coutinho fala sobre seu filme
com o cineasta João Moreira
Salles e o crítico Carlos Alberto
Mattos. Mas, por estranho que
pareça, essa revelação dos mecanismos ilusionistas do filme,
em vez de diminuir seu impacto emocional, acaba por intensificá-lo.
Na organização desses múltiplos discursos sobre dramas
pessoais em que quase sempre
sobressai a relação com os filhos ou, mais raramente, com
os pais, há todo um questionamento do estatuto da representação, da condição feminina e
da própria noção de verdade.
Mas há também uma carga de
vivência humana quase insuportável.
"Jogo de Cena" pode ser visto, se quisermos, como um estudo sobre as lágrimas e seu
modo de produção o que dificilmente impedirá o espectador
de verter algumas ao longo da
sessão.
JOGO DE CENA
Lançamento: VideoFilmes
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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