São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2008

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Crítica/DVD/"Jogo de Cena"

Coutinho deixa o espectador sem chão

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Diante de uma câmera, todo indivíduo se transforma em um ator, mesmo que exponha suas verdades mais íntimas e profundas. Essa idéia, esboçada em obras anteriores de Eduardo Coutinho, como "Santo Forte" e "Edifício Master", ganha uma evidência incontornável em seu documentário mais recente, "Jogo de Cena", que chega agora ao DVD.
O ponto de partida do filme foi um anúncio de jornal, em que o cineasta convidava mulheres a falar, num estúdio, sobre suas vidas. Oitenta e três se apresentaram, 23 foram selecionadas e filmadas em junho de 2006 no teatro Glauce Rocha, no Rio. Se Coutinho já encarava seus entrevistados como "personagens", em "Jogo de Cena" ele dá mais uma volta no parafuso, misturando depoimentos de mulheres "comuns" com falas de atrizes que reproduzem as mesmas histórias narradas por aquelas.
Algumas dessas atrizes são muito famosas -Andréa Beltrão, Fernanda Torres, Marília Pêra-, outras são desconhecidas do público, quase anônimas. O efeito desse ardiloso embaralhamento é deixar o espectador sem chão, em dúvida sobre quais histórias são verdadeiras, quais são inventadas, e sobre quem, afinal, viveu o quê.
Os extras do DVD, ao exibir as entrevistas prévias das selecionadas com a assistente do diretor, Cristiana Grumbach, revelam que o jogo foi além: há, entre as depoentes, uma que conta a história de outra, que por sua vez narra uma terceira história, que já não sabemos mais a quem pertence.
De certo modo, ver e ouvir esses depoimentos de bastidores é um pouco como desmontar o brinquedo para descobrir como funciona, e a sensação se reforça com a já tradicional "faixa comentada", em que Coutinho fala sobre seu filme com o cineasta João Moreira Salles e o crítico Carlos Alberto Mattos. Mas, por estranho que pareça, essa revelação dos mecanismos ilusionistas do filme, em vez de diminuir seu impacto emocional, acaba por intensificá-lo. Na organização desses múltiplos discursos sobre dramas pessoais em que quase sempre sobressai a relação com os filhos ou, mais raramente, com os pais, há todo um questionamento do estatuto da representação, da condição feminina e da própria noção de verdade.
Mas há também uma carga de vivência humana quase insuportável. "Jogo de Cena" pode ser visto, se quisermos, como um estudo sobre as lágrimas e seu modo de produção o que dificilmente impedirá o espectador de verter algumas ao longo da sessão.



JOGO DE CENA
Lançamento: VideoFilmes
Quanto: R$ 45, em média
Classificação: livre
Avaliação: ótimo




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