São Paulo, quinta, 8 de janeiro de 1998.




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LIVROS
A música negra americana além das notas

CARLOS CALADO
especial para a Folha

Não é preciso ser fanático por James Brown, Aretha Franklin ou Miles Davis para concordar. Sem o blues, o jazz, o soul e o funk, a música popular norte-americana perderia muito de seu impacto.
Essa é uma das sugestões do livro "Heart & Soul - A Celebration of Black Music Style in América 1930-1975", lançado recentemente nos EUA e que já pode ser encontrado nas seções de importados de boas livrarias brasileiras.
Os autores, Bob Merlis e Davin Seay, traçam um delicioso panorama da presença negra na música norte-americana deste século, combinando informações históricas e musicais com uma significativa pesquisa visual.
Em vez de uma tese acadêmica, como o tema parece sugerir, a pesquisa dos dois autores assumiu a forma de um sofisticado livro de arte, que impressiona antes de tudo pela riqueza das imagens incluídas nas 160 páginas.
São capas de discos, fotos promocionais, folhetos de divulgação, cartazes, capas de partituras, selos de discos e até figurinhas, que em muitos casos acabam revelando mais que o próprio texto.
Assinada pela cantora Etta James, a introdução funciona como uma síntese da obra. A blueseira, nascida em Los Angeles, há quase 60 anos, fala de vários cantores e músicos negros que a influenciaram -não por acaso, todos retratados no livro.
Etta menciona cantoras de gospel, como Clara Ward e Sister Rosetta Tharpe, passa por vários mestres do rhythm & blues, como Little Richard, Jackie Wilson e Louis Jordan, sem esquecer o impacto de seu encontro com Billie Holiday, a diva do jazz.
Ao longo dos nove capítulos, os autores alinhavam fatos históricos, dados biográficos e anedotas, para narrar a evolução do que chamam de um "vibrante, vistoso e extravagante florescimento da cultura afro-americana".
Quem espera encontrar uma história da música negra nos EUA, em moldes mais tradicionais, pode estranhar algumas classificações. É o caso do capítulo "Roots" (raízes), que mistura gospel, blues, rhythm & blues e jazz.
Na verdade, o critério é visual. Se o primeiro capítulo está recheado de enormes e extravagantes ternos dos anos 40 (os "zoot suits"), o capítulo dedicado a ídolos "teen" dos anos 50, como a cantora Little Eva e o então "Little" Stevie Wonder, coleciona uniformes colegiais.
Nessa mesma linha, acompanhados por modelitos mais moderninhos, os bizarros topetes de Percy Sledge e Major Lance, assim como o estiloso penteado "pompadour" de James Brown, colorem o capítulo "Soul Men".
Já a seção "Red-Hot Mamas" exibe a sensualidade feminina de divas do jazz e do blues, como La Vern Baker, Dinah Washington, Aretha Franklin, Mary Wells e Carla Thomas.
Mas o melhor capítulo é mesmo o dedicado ao "Wild Style" (estilo selvagem). Imagens de blueseiros debochados, como os saxofonistas Louis Jordan e Big Jay McNeely, ou jazzistas irreverentes, como Dizzy Gillespie, provam que a música negra vai muito além das notas e convenções sonoras.
Algumas imagens funcionam como verdadeiras revisões históricas. É o caso da foto do clássico bluesman T-Bone Walker, que já tocava sua guitarra apoiando-a nas costas décadas antes dos malabarismos de um Jimi Hendrix.
Já o capítulo dedicado à psicodelia dos anos 70 é curto demais. Não traz uma única foto do alucinado George Clinton e suas bandas funkeiras, tratando esse período de forma muito apressada -quem sabe economizando material para um próximo volume.

Livro: Heart & Soul - A Celebration for Black Music Style in America 1930-1975 Autores: Bob Merlis e Davin Seay Lançamento: Stewart, Tabori & Chang (EUA) Quanto: R$ 57 (160 págs.) Onde encontrar: Freebook (r. da Consolação, 1.924, tel. 011/256-0577)


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