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LIVROS
Autor fala sobre seus três novos gols, ou melhor, livros de crônicas, o presidente e o pudim de laranja
Verissimo entra duro nas divididas
JOSÉ ROBERTO TORERO
Colunista da Folha
Luis Fernando Verissimo acaba
de fazer três gols, digo, lançar três
livros. Eles reúnem as suas melhores crônicas dos últimos dois
anos. Todas inéditas em livro.
Até um cronista esportivo sabe
que ele é um dos nossos maiores
craques da literatura.
Verissimo é rápido, envolvente,
tem um raro poder de observação
e está sempre bem posicionado
na grande área.
Inventa dribles verbais, sabe jogar com classe, mas entra duro
nas divididas. Principalmente
quando no outro time está Éfe
Agá.
Verissimo não é um craque comum. Geralmente, os grandes jogadores, digo, escritores, são especialistas apenas em um assunto. Ou são metafísicos, ou sociais,
ou psicológicos etc. Verissimo é
uma exceção.
Trata-se de um craque polivalente. Joga na defesa, no meio-campo e no ataque. Ou, em outras
palavras, consegue falar de livros,
esporte, amor, filmes e política.
Sempre de uma forma surpreendente.
Graças à sua polivalência, cada
um dos seus três novos livros trata de um tema diferente: "A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto" fala de futebol, cinema e literatura, "Aquele Estranho Dia Que
Nunca Chega" é sobre política e
economia e "Histórias Brasileiras
de Verão" sobre o cotidiano.
Nessas coletâneas, ele mostra
que é daqueles jogadores, digo,
escritores, que nasceram com talento, mas que, ainda por cima,
desenvolveram uma técnica invejável.
Os diálogos são ágeis e surpreendentes como um drible de
Garrincha, seus raciocínios são ao
mesmo tempo profundos e simples como um lançamento de Didi, e ele possui a classe de um goleiro como Gilmar. Sem falar que,
de vez em quando, dá uns gritos
de Dunga. Enfim, um craque.
Nesta entrevista à Folha, ele fala
dos três novos livros, do presidente e de pudim de laranja.
Folha - Seus três novos livros
são de crônicas. Afinal, a crônica
é um gênero nobre ou plebeu?
Luis Fernando Verissimo -
Acho que é um gênero plebeu
com pretensões a nobre ou um
texto jornalístico com pretensões
de ser literatura. Normalmente
ela só prova que não dá para fazer
literatura com pouco tempo, mas
às vezes consegue passar por nobre. Até notarem os chinelos.
"A boa crônica é
como a charge
bem desenhada
em que o tema é
secundário"
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Folha - Se a crônica fala do
momentâneo, se é jornalismo,
porque algumas duram tanto
tempo? O que uma crônica tem
de ter para que mereça sair do
jornal para o livro?
Verissimo - A crônica é um
pouco como a charge. Você vê
uma charge antiga, de um Caruso,
por exemplo, que não faz mais
sentido porque você esqueceu o
fato que a provocou, mas a admira pela qualidade do desenho.
A boa crônica é como uma
charge bem desenhada em que o
assunto é secundário. Agora,
quando não existe mais a referência do fato e a execução não é boa,
nem a charge nem a crônica merecem ser guardadas.
Folha - Em "Histórias Brasileiras de Verão" há muitos e ótimos diálogos. Como você ficou
tão bom em diálogos, já que na
prática não é exatamente um
falastrão?
Verissimo - Como você sabe,
muitas vezes o diálogo é um truque do escritor para fugir da exposição, das descrições e da falta
de tempo. Mas eu gosto de contar
uma história por meio do diálogo,
de sugerir coisas sobre os personagens só pelo que eles dizem.
Não falar muito é a primeira
condição para ouvir como os outros falam. Mas é duro fazer diálogo em português, não é não? Escritor americano tem muito mais
liberdade para escrever com naturalidade, o que quer dizer escrever errado, do que a gente. Eu
sempre acho que pronome no lugar certo soa falso.
Folha - Outro dos livros, "A
Eterna Privação do Zagueiro Absoluto", é sobre literatura, cinema e futebol. O que você preferiria: ser escritor, cineasta ou
centroavante?
Verissimo - Escritor não depende tanto do preparo físico, como
centroavante, embora seja um
trabalho braçal, e também não requer o talento para lidar com pessoas e depender da interpretação
dos outros que vocês diretores
precisam ter. Preferiria ser escritor mesmo. Mas durante muito
tempo sonhei em fazer cinema.
"O diálogo é um
truque para fugir da exposição e
falta de tempo"
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Folha - O terceiro livro, "Aquele Estranho Dia Que Nunca Chega", é sobre política e economia. Você, que tanto escreve sobre política, já pensou em se
candidatar a alguma coisa?
Verissimo - Eu seria certamente
o pior candidato de todos os tempos e, se eleito apesar disto, ou por
causa disto, o pior político imaginável. Ficar de fora criticando os
políticos é muito mais fácil. E salubre.
Folha - E a Presidência? Já
pensou que você tem as três
qualidades para substituir FHC:
gosto por viagens, capacidade
para a ficção e talento para frases de efeito?
Verissimo - Eu até aceitaria
substituir FHC desde que não
houvesse o compromisso de ser
melhor do que ele. Aí seria sopa.
Folha - Falando em FHC, ele
disse que, se não fosse político,
gostaria de ser romancista. Qual
seria seu gênero de literatura e
que tipo de escritor ele seria?
Verissimo - No outro dia eu escrevi que a vocação do FHC talvez
seja para ex-presidente. Tenho
certeza de que poderemos contar
com ótimos trabalhos de análise
política, sociologia e reminiscências dele, quando for ex-presidente. Mal posso esperar.
Folha - Por que fez tão poucas
narrativas longas?
Verissimo - As duas narrativas
longas que fiz, "O Jardim do Diabo" e "O Clube dos Anjos", foram
encomendadas. Escrevi-as do
melhor jeito que sabia, mas não
tinha nenhum livro que precisasse escrever, nenhum romance
premente, e continuo não tendo.
Folha - Nem projetos?
Verissimo - Estou brigando
com um livro pedido pela Isa Pessoa, da Objetiva, uma nova versão da carta do Pero Vaz de Caminha, que deve ficar pronto em
fevereiro. E vou fazer um dos livros da série "Literatura ou Morte", acho que é assim que se chama, da Companhia das Letras.
"O melhor prato
do mundo é
aquela tigela
funda e larga
em cima"
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Folha - Comparando com seus
textos mais antigos, acho que
os atuais são mais econômicos
e mais concentrados (parece
até que estou falando de chocolate em pó). Seu estilo continua
mudando?
Verissimo - Não sei se acontece
o mesmo com você, mas, para
mim, fica cada vez mais difícil escrever. Talvez a gente passe a desconfiar mais do que escreveu, a ficar mais exigente, e isso pode melhorar o texto, mas dificulta a vida. Meu pai dizia que a consciência da técnica atrapalhava, que
era como aqueles personagens de
desenhos animados que continuavam a caminhar sobre o abismo e só caíam quando se davam
conta de que o chão acabara.
O melhor é não pensar muito
no que se está fazendo, não olhar
para baixo e seguir caminhando.
Folha - Por que nunca concorreu à Academia Brasileira de Letras. É o chá, as bolachas ou o
quê?
Verissimo - Se eu um dia entrasse na Academia, seria pelas
bolachas. Nada contra os que estão lá, mas tenho menos vocação
para acadêmico até do que para
político.
Folha - Uma coisa que sempre
me intrigou: por que os escritores, inclusive você, sempre tem
mulheres bonitas?
Verissimo - No seu caso, eu não
sei, mas, pensando bem, no meu
caso eu também não sei.
Folha - Ser filho do Erico poderia ser um fardo, uma eterna
comparação. Como você driblou a sombra do seu pai?
Verissimo - O pai nunca se levou muito a sério, nunca teve a
pose do medalhão. Isso nos ajudou a conviver com a sua notoriedade e acho que me facilitou
também. Mas até os 30 anos,
quando comecei no jornalismo,
eu não tinha a intenção de escrever, e isso talvez se devesse a uma
convicção inconsciente de que
não deveria.
Folha - O Italo Calvino listou
algumas qualidades que gostaria de ver na literatura no próximo milênio, como multiplicidade, clareza, rapidez, concisão e
leveza. Quais as suas?
Verissimo - Tem uma palavra
em inglês, acho que intraduzível,
que é "insight". Sacada, percepção especial, revelação engenhosa. Acho que a melhor literatura é
a que, além de todas as outras virtudes, tem "insight", abre aquele
claro dentro da gente quando se
lê uma coisa bem sacada, não
apenas inteligente ou "bene trovata", mas diferente, inédita.
Folha - E, por fim, duas perguntas para a qual busco resposta há muito tempo: Qual o
sentido da vida e qual o melhor
prato do mundo?
Verissimo - O sentido da vida é
o pudim de laranja. O melhor
prato do mundo é aquela tigela
funda e larga em cima, que depois
você inclina para pegar o caldo.
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