São Paulo, Sábado, 08 de Janeiro de 2000


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LIVROS
Autor fala sobre seus três novos gols, ou melhor, livros de crônicas, o presidente e o pudim de laranja
Verissimo entra duro nas divididas

JOSÉ ROBERTO TORERO
Colunista da Folha


Luis Fernando Verissimo acaba de fazer três gols, digo, lançar três livros. Eles reúnem as suas melhores crônicas dos últimos dois anos. Todas inéditas em livro.
Até um cronista esportivo sabe que ele é um dos nossos maiores craques da literatura.
Verissimo é rápido, envolvente, tem um raro poder de observação e está sempre bem posicionado na grande área.
Inventa dribles verbais, sabe jogar com classe, mas entra duro nas divididas. Principalmente quando no outro time está Éfe Agá.
Verissimo não é um craque comum. Geralmente, os grandes jogadores, digo, escritores, são especialistas apenas em um assunto. Ou são metafísicos, ou sociais, ou psicológicos etc. Verissimo é uma exceção.
Trata-se de um craque polivalente. Joga na defesa, no meio-campo e no ataque. Ou, em outras palavras, consegue falar de livros, esporte, amor, filmes e política. Sempre de uma forma surpreendente.
Graças à sua polivalência, cada um dos seus três novos livros trata de um tema diferente: "A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto" fala de futebol, cinema e literatura, "Aquele Estranho Dia Que Nunca Chega" é sobre política e economia e "Histórias Brasileiras de Verão" sobre o cotidiano.
Nessas coletâneas, ele mostra que é daqueles jogadores, digo, escritores, que nasceram com talento, mas que, ainda por cima, desenvolveram uma técnica invejável.
Os diálogos são ágeis e surpreendentes como um drible de Garrincha, seus raciocínios são ao mesmo tempo profundos e simples como um lançamento de Didi, e ele possui a classe de um goleiro como Gilmar. Sem falar que, de vez em quando, dá uns gritos de Dunga. Enfim, um craque.
Nesta entrevista à Folha, ele fala dos três novos livros, do presidente e de pudim de laranja.

Folha - Seus três novos livros são de crônicas. Afinal, a crônica é um gênero nobre ou plebeu?
Luis Fernando Verissimo -
Acho que é um gênero plebeu com pretensões a nobre ou um texto jornalístico com pretensões de ser literatura. Normalmente ela só prova que não dá para fazer literatura com pouco tempo, mas às vezes consegue passar por nobre. Até notarem os chinelos.


"A boa crônica é como a charge bem desenhada em que o tema é secundário"

Folha - Se a crônica fala do momentâneo, se é jornalismo, porque algumas duram tanto tempo? O que uma crônica tem de ter para que mereça sair do jornal para o livro?
Verissimo -
A crônica é um pouco como a charge. Você vê uma charge antiga, de um Caruso, por exemplo, que não faz mais sentido porque você esqueceu o fato que a provocou, mas a admira pela qualidade do desenho.
A boa crônica é como uma charge bem desenhada em que o assunto é secundário. Agora, quando não existe mais a referência do fato e a execução não é boa, nem a charge nem a crônica merecem ser guardadas.

Folha - Em "Histórias Brasileiras de Verão" há muitos e ótimos diálogos. Como você ficou tão bom em diálogos, já que na prática não é exatamente um falastrão?
Verissimo -
Como você sabe, muitas vezes o diálogo é um truque do escritor para fugir da exposição, das descrições e da falta de tempo. Mas eu gosto de contar uma história por meio do diálogo, de sugerir coisas sobre os personagens só pelo que eles dizem.
Não falar muito é a primeira condição para ouvir como os outros falam. Mas é duro fazer diálogo em português, não é não? Escritor americano tem muito mais liberdade para escrever com naturalidade, o que quer dizer escrever errado, do que a gente. Eu sempre acho que pronome no lugar certo soa falso.

Folha - Outro dos livros, "A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto", é sobre literatura, cinema e futebol. O que você preferiria: ser escritor, cineasta ou centroavante?

Verissimo - Escritor não depende tanto do preparo físico, como centroavante, embora seja um trabalho braçal, e também não requer o talento para lidar com pessoas e depender da interpretação dos outros que vocês diretores precisam ter. Preferiria ser escritor mesmo. Mas durante muito tempo sonhei em fazer cinema.


"O diálogo é um truque para fugir da exposição e falta de tempo"

Folha - O terceiro livro, "Aquele Estranho Dia Que Nunca Chega", é sobre política e economia. Você, que tanto escreve sobre política, já pensou em se candidatar a alguma coisa?
Verissimo -
Eu seria certamente o pior candidato de todos os tempos e, se eleito apesar disto, ou por causa disto, o pior político imaginável. Ficar de fora criticando os políticos é muito mais fácil. E salubre.

Folha - E a Presidência? Já pensou que você tem as três qualidades para substituir FHC: gosto por viagens, capacidade para a ficção e talento para frases de efeito?
Verissimo -
Eu até aceitaria substituir FHC desde que não houvesse o compromisso de ser melhor do que ele. Aí seria sopa.

Folha - Falando em FHC, ele disse que, se não fosse político, gostaria de ser romancista. Qual seria seu gênero de literatura e que tipo de escritor ele seria?
Verissimo -
No outro dia eu escrevi que a vocação do FHC talvez seja para ex-presidente. Tenho certeza de que poderemos contar com ótimos trabalhos de análise política, sociologia e reminiscências dele, quando for ex-presidente. Mal posso esperar.

Folha - Por que fez tão poucas narrativas longas?
Verissimo -
As duas narrativas longas que fiz, "O Jardim do Diabo" e "O Clube dos Anjos", foram encomendadas. Escrevi-as do melhor jeito que sabia, mas não tinha nenhum livro que precisasse escrever, nenhum romance premente, e continuo não tendo.

Folha - Nem projetos?
Verissimo -
Estou brigando com um livro pedido pela Isa Pessoa, da Objetiva, uma nova versão da carta do Pero Vaz de Caminha, que deve ficar pronto em fevereiro. E vou fazer um dos livros da série "Literatura ou Morte", acho que é assim que se chama, da Companhia das Letras.


"O melhor prato do mundo é aquela tigela funda e larga em cima"

Folha - Comparando com seus textos mais antigos, acho que os atuais são mais econômicos e mais concentrados (parece até que estou falando de chocolate em pó). Seu estilo continua mudando?
Verissimo -
Não sei se acontece o mesmo com você, mas, para mim, fica cada vez mais difícil escrever. Talvez a gente passe a desconfiar mais do que escreveu, a ficar mais exigente, e isso pode melhorar o texto, mas dificulta a vida. Meu pai dizia que a consciência da técnica atrapalhava, que era como aqueles personagens de desenhos animados que continuavam a caminhar sobre o abismo e só caíam quando se davam conta de que o chão acabara.
O melhor é não pensar muito no que se está fazendo, não olhar para baixo e seguir caminhando.

Folha - Por que nunca concorreu à Academia Brasileira de Letras. É o chá, as bolachas ou o quê?
Verissimo -
Se eu um dia entrasse na Academia, seria pelas bolachas. Nada contra os que estão lá, mas tenho menos vocação para acadêmico até do que para político.

Folha - Uma coisa que sempre me intrigou: por que os escritores, inclusive você, sempre tem mulheres bonitas?
Verissimo -
No seu caso, eu não sei, mas, pensando bem, no meu caso eu também não sei.

Folha - Ser filho do Erico poderia ser um fardo, uma eterna comparação. Como você driblou a sombra do seu pai?
Verissimo -
O pai nunca se levou muito a sério, nunca teve a pose do medalhão. Isso nos ajudou a conviver com a sua notoriedade e acho que me facilitou também. Mas até os 30 anos, quando comecei no jornalismo, eu não tinha a intenção de escrever, e isso talvez se devesse a uma convicção inconsciente de que não deveria.

Folha - O Italo Calvino listou algumas qualidades que gostaria de ver na literatura no próximo milênio, como multiplicidade, clareza, rapidez, concisão e leveza. Quais as suas?
Verissimo -
Tem uma palavra em inglês, acho que intraduzível, que é "insight". Sacada, percepção especial, revelação engenhosa. Acho que a melhor literatura é a que, além de todas as outras virtudes, tem "insight", abre aquele claro dentro da gente quando se lê uma coisa bem sacada, não apenas inteligente ou "bene trovata", mas diferente, inédita.

Folha - E, por fim, duas perguntas para a qual busco resposta há muito tempo: Qual o sentido da vida e qual o melhor prato do mundo?
Verissimo -
O sentido da vida é o pudim de laranja. O melhor prato do mundo é aquela tigela funda e larga em cima, que depois você inclina para pegar o caldo.


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