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Segundo e último volume da biografia do líder nazista é lançado na Europa
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Historiador inglês minimiza papel do ditador no fortalecimento do regime
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LIVRO MOSTRA CUMPLICIDADE ENTRE LÍDER E POPULAÇÃO
HITLER
Associated Press
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Multidão saúda o ditador nazista Adolf Hitler nas ruas de Munique, na Alemanha, em 1933, ano em que se tornou chanceler, destruiu a República de Weimar e declarou: "O partido tornou-se Estado" |
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O homem é a medida de todas
as coisas, dizia o sofista Protágoras (c. 487-420 a.C.). Para os gregos, ousar superar a medida humana, por orgulho ou vaidade,
era cometer um excesso digno de
censura. A isso davam o nome de
hybris (hubris, em inglês).
Foi a partir desse conceito que o
historiador inglês Ian Kershaw,
58, começou a construir "Hitler",
biografia do ditador nazista, em
dois tomos. O primeiro, "Hitler
(1889-1936) - Hubris", lançado
em 1998, dedica-se a destrinchar
as razões pelas quais uma sociedade bem educada como a alemã,
reconhecido berço de grandes filósofos e poetas, se deixou levar
pela ideologia nazista, um discurso que se radicalizaria a ponto de
justificar o genocídio de judeus.
Para Kershaw, o orgulho desmesurado, ou hubris, seria um
item compartilhado entre o ditador e a sociedade, e não um sentimento imposto arbitrariamente.
O segundo volume acaba de ser
lançado na Europa. "Hitler (1936-1945) - Nemesis" detalha o processo no qual a cumplicidade entre o líder e a população fortaleceu-se a ponto de fazer com que a
máquina de destruição do regime
se sustentasse praticamente por si
própria, como se se tratasse de
uma cruzada ideológica.
Nemesis é uma divindade grega
relacionada à vingança divina, cuja tarefa principal é combater o
orgulho dos homens.
O assunto do segundo volume
é, assim, a punição que receberam
Hitler e a sociedade alemã pelo
que construíram com sua hybris.
Ou seja, a derrota na Segunda
Guerra e a derrocada do projeto
nazista de expansão alemã e de
extermínio dos judeus.
Em "Nemesis", Kershaw minimiza o papel de Hitler, que aparece como uma pessoa de poucas
qualidades, um visionário infantil, que transformou o anti-semitismo da população em paranóia
coletiva, e não como um monstro
que teria arquitetado sozinho a
ideologia que justificaria as crueldades do regime.
"Eu não quero que entendam
que quero reduzir a importância
de Hitler, o que tento fazer é enxergar como outras forças fizeram com que o processo se radicalizasse com força própria", disse o historiador à Folha.
Até os anos 50, a historiografia
concordava, de maneira geral,
com o fato de que a guerra e o extermínio dos judeus eram responsabilidade apenas de Hitler. Já a
partir dos anos 60, começaram a
surgir teorias que relativizavam
sua participação, buscando as
causas do nazismo no contexto.
São dessa época trabalhos como
o do inglês A.J.P. Taylor ("The
Origins of the Second World
War" e "The Course of German
History"), que contribuíram para
a mudança no foco da análise.
Taylor abordou um longo período anterior ao nazismo e mostrou
que o expansionismo alemão tinha raízes no passado, lembrando
Bismarck e Guilherme 2º.
Os dois volumes da biografia de
Kershaw apontam para a mesma
tendência, em que a análise do período vai abandonando o julgamento moral e emocional -por
estar distanciando-se dos fatos no
tempo- e adotando apenas um
julgamento histórico do período.
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