São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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Segundo e último volume da biografia do líder nazista é lançado na Europa



Historiador inglês minimiza papel do ditador no fortalecimento do regime


LIVRO MOSTRA CUMPLICIDADE ENTRE LÍDER E POPULAÇÃO
HITLER

Associated Press
Multidão saúda o ditador nazista Adolf Hitler nas ruas de Munique, na Alemanha, em 1933, ano em que se tornou chanceler, destruiu a República de Weimar e declarou: "O partido tornou-se Estado"


SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O homem é a medida de todas as coisas, dizia o sofista Protágoras (c. 487-420 a.C.). Para os gregos, ousar superar a medida humana, por orgulho ou vaidade, era cometer um excesso digno de censura. A isso davam o nome de hybris (hubris, em inglês).
Foi a partir desse conceito que o historiador inglês Ian Kershaw, 58, começou a construir "Hitler", biografia do ditador nazista, em dois tomos. O primeiro, "Hitler (1889-1936) - Hubris", lançado em 1998, dedica-se a destrinchar as razões pelas quais uma sociedade bem educada como a alemã, reconhecido berço de grandes filósofos e poetas, se deixou levar pela ideologia nazista, um discurso que se radicalizaria a ponto de justificar o genocídio de judeus.
Para Kershaw, o orgulho desmesurado, ou hubris, seria um item compartilhado entre o ditador e a sociedade, e não um sentimento imposto arbitrariamente.
O segundo volume acaba de ser lançado na Europa. "Hitler (1936-1945) - Nemesis" detalha o processo no qual a cumplicidade entre o líder e a população fortaleceu-se a ponto de fazer com que a máquina de destruição do regime se sustentasse praticamente por si própria, como se se tratasse de uma cruzada ideológica.
Nemesis é uma divindade grega relacionada à vingança divina, cuja tarefa principal é combater o orgulho dos homens.
O assunto do segundo volume é, assim, a punição que receberam Hitler e a sociedade alemã pelo que construíram com sua hybris. Ou seja, a derrota na Segunda Guerra e a derrocada do projeto nazista de expansão alemã e de extermínio dos judeus.
Em "Nemesis", Kershaw minimiza o papel de Hitler, que aparece como uma pessoa de poucas qualidades, um visionário infantil, que transformou o anti-semitismo da população em paranóia coletiva, e não como um monstro que teria arquitetado sozinho a ideologia que justificaria as crueldades do regime.
"Eu não quero que entendam que quero reduzir a importância de Hitler, o que tento fazer é enxergar como outras forças fizeram com que o processo se radicalizasse com força própria", disse o historiador à Folha.
Até os anos 50, a historiografia concordava, de maneira geral, com o fato de que a guerra e o extermínio dos judeus eram responsabilidade apenas de Hitler. Já a partir dos anos 60, começaram a surgir teorias que relativizavam sua participação, buscando as causas do nazismo no contexto.
São dessa época trabalhos como o do inglês A.J.P. Taylor ("The Origins of the Second World War" e "The Course of German History"), que contribuíram para a mudança no foco da análise. Taylor abordou um longo período anterior ao nazismo e mostrou que o expansionismo alemão tinha raízes no passado, lembrando Bismarck e Guilherme 2º.
Os dois volumes da biografia de Kershaw apontam para a mesma tendência, em que a análise do período vai abandonando o julgamento moral e emocional -por estar distanciando-se dos fatos no tempo- e adotando apenas um julgamento histórico do período.


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