|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"As Vidas dos Artistas"
Com a voz dos artistas, livro retrata a arte contemporânea
Em tom literário, Calvin Tomkins investiga de perto a vida e o processo criativo de dez estrelas da produção artística atual
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Poucos são os livros que
conseguem abordar a
produção atual sem cair
em estereótipos ou mesmo forçar a barra ao encaixar certos
artistas como meros oportunistas que se aproveitam da recente explosão do mercado de
arte contemporânea.
"As Vidas dos Artistas", de
Calvin Tomkins, faz parte do
seleto grupo que traz uma
abrangente visão dos procedimentos de produção contemporânea ao dar a voz, em primeiro plano, aos próprios artistas. Nos últimos dez anos,
Tomkins, autor da ótima biografia de Marcel Duchamp,
"Duchamp" (Cosac Naify,
2005), publicou perfis de protagonistas da arte contemporânea, como Jeff Koons, Damien
Hirst e Matthew Barney para a
revista "The New Yorker".
O livro, uma reunião de dez
desses perfis, revela-se um típico exercício de jornalismo literário, com textos extensos, que
mostram intimidade entre o
autor e os artistas: Tomkins vai
ao cinema com Cindy Sherman, visita a casa de veraneio
de Jasper Johns em St. Martin,
no Caribe, anda de táxi com
Hirst, caminha pela cratera de
James Turrel, no norte do Arizona (EUA).
Em cada situação,
o autor revela detalhes que
ilustram o procedimento criativo de cada um, acrescentando
ainda depoimentos de outros
artistas, galeristas, críticos e
amigos. Os demais escolhidos
são Julian Schnabel, Richard
Serra, Maurizio Cattelan e
John Currin.
Estrelas contemporâneas
O próprio autor afirma, na
introdução do livro, que a seleção não apresenta "nenhum
denominador comum, entre
eles", mas, na verdade, todos
são estrelas de primeira grandeza no cenário atual, afinal
Sherman é uma das principais
renovadoras da fotografia, Serra, da escultura e Johns, da pintura. No entanto, tal divisão por
suporte, como se sabe em arte
contemporânea, é inútil, e aí
está um dos méritos de Calvin
Tomkins, que, em vez de investigar o meio usado pelo artista,
interessa-se pela sua própria
forma de vida.
Contudo isso não é realizado
em um desenrolar de fofocas,
como o universo das celebridades tanto preza, mas de forma
discreta e contextualizada, onde o autor aborda desde a formação de cada artista até suas
relações com museus e galerias.
Momentos-chave
Há muitas passagens intrigantes. Uma das melhores é
quando Kim Levin, crítica do
"Village Voice", arrasou, em um
texto, as pinturas de mulheres
um tanto deformadas de Currin, por considerá-las machistas, quando de sua primeira individual na galeria Andrea Rosen, em 1992. Dez anos depois,
em 2003, ela assume e diz "Eu
estava errada", o que atesta como o escrever da história pode
ser alterado quando o artista
segue sua carreira.
Claro, há histórias mais extravagantes, como os surtos hedonistas de Hirst, que costumava baixar a calça e mostrar a
genitália nas festas, mas tais situações são apenas detalhes de
uma inteligente e intrigante
narrativa da produção atual,
principalmente daquela produzida nos Estados Unidos, para
onde os textos foram criados.
Quem ler "As Vidas dos Artistas", se usar as lentes corretas,
vai compreender muito melhor
o que é a arte contemporânea.
AS VIDAS DOS ARTISTAS
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Produção em série Próximo Texto: Análise: Museus têm novos papéis na vida urbana Índice
|