São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997.

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Remake de Adrian Lyne sofre a mesma rejeição do original de Kubrick, de 1962; filme, baseado em obra de Nabokov, conta a história de um quarentão que aprecia ninfetas e se envolve com a filha adotiva de 12 anos
O mundo ainda não quer ver o escândalo "Lolita"

Reprodução/ Folha Imagem
Dominique Swain e Jeremy irons em cena de "Lolita", de Adrian lyne


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington

O cineasta Adrian Lyne ainda não encontrou distribuidor nos EUA para o seu novo filme, "Lolita", baseado no romance homônimo de Vladimir Nabokov.
Os produtores da fita dizem que se trata apenas de uma questão de negócios: eles estão analisando as melhores ofertas feitas por vários interessados. Mas há indícios de que "Lolita" desperta receios no moralista ambiente social dos EUA contemporâneos e de que muito pouca gente está disposta a se arriscar se associando a ela.
Já se havia especulado que Richard Zanuck, que deveria ter produzido o filme, se afastou dele em setembro de 95, pouco antes de as filmagens começarem, pela mesma razão. Zanuck, 62, tem olfato fino: produziu "Golpe de Mestre" (1973), "Tubarão" (75), "Cocoon" (85) e "Conduzindo Miss Daisy" (89), que lhe deu o Oscar.
Mas a desculpa de que tinha conflitos de agenda e, por isso, iria desistir de "Lolita" não convenceu. Zanuck foi trocado por Joel Michaels, o filme gastou US$ 50 milhões em vez dos US$ 25 milhões previstos, as filmagens levaram dez meses, Lyne gastou seis em edição para a fita ganhar classificação não muito pesada da censura.
A participação de Zanuck no projeto lhe dava uma respeitabilidade que ninguém mais poderia garantir. O tema de "Lolita" é delicado: um quarentão que aprecia ninfetas e se envolve com a filha adotiva de 12 anos de idade.
Quando o romance do russo-americano Nabokov (1899-1977) foi lançado em 1955, provocou escândalo. Foi proibido na Inglaterra, apreendido na França e achincalhado nos EUA.
Em 1962, Stanley Kubrick filmou o romance, com enredo do próprio Nabokov e James Mason como Humbert Humbert, o intelectual que gosta de meninas, Sue Lyon no papel da sensual garotinha e Peter Sellers no de Clare Quilty, que se casa com ela.
Kubrick foi de leve no erotismo da história e o deixou mais sugerido que explícito, o que nem por isso o livrou de controvérsias.
Ninguém espera isso de Lyne, de "Nove e Meia Semanas de Amor" (1986), "Atração Fatal" (1987) e "Proposta Indecente" (1993). Além disso, Lyne deu azar. Seu filme ficou pronto ao mesmo tempo em que estourava na Europa a indignação contra a exploração de sexo infantil provocada pelo assassinato de uma menina na Bélgica.
Um padre britânico escreveu no jornal "Daily News" que o romance de Nabokov é um dos responsáveis pelo desmoronamento moral da civilização ocidental e fonte de inspiração para crimes como o ocorrido na Bélgica.
Nos EUA, o Congresso sob controle dos conservadores aprovou lei que proíbe até a aparência de menores em atos sexuais (ou seja, o ator ou atriz que transa não pode nem parecer menor de idade).
Dominique Swain, a estreante que faz o papel de Lolita (na verdade este é o apelido que Humbert dava à enteada, não seu nome), não apenas parece menor. Tinha 14 anos e usava aparelhos nos dentes quando foi escolhida entre 2.500 candidatas para trabalhar no filme de Lyne.
Seu padrasto na tela é Jeremy Irons, de 48 anos (Oscar de 1990 por "O Reverso da Fortuna"). A mãe no filme é Melanie Griffith ("Uma Secretária de Futuro"). Em 1962, o papel dela foi feito pela ótima Shelley Winters.
Swain se diz muito animada com a possibilidade de ser uma nova Jodie Foster, seu ídolo nas telas, que aos 14 anos fez o papel de uma prostituta em "Taxi Driver" (1976), de Martin Scorsese.
Mas a experiência de sua predecessora no papel de Lolita não é animadora: após o sucesso controvertido com o filme de Kubrick, Lyon não teve muita sorte nem na vida profissional nem na pessoal. Só fez papéis menores no cinema e na TV e se casou com um homem depois condenado por homicídio.
Para Lyne, o azar pode estar terminando. O filme está prestes a vencer a batalha contra a censura que lhe foi imposta na Inglaterra e, segundo os otimistas produtores, uma distribuidora será escolhida nos EUA até o final deste mês.

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